quarta-feira, 1 de maio de 2013

Doméstica: um documentário para o dia do trabalho

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Na semana do dia do trabalho, tive a oportunidade de ver a pré-estréia em São Paulo do documentário “Doméstica”. Excelente produção de Gabriel Mascaro, o filme basicamente mostra a realidade de 7 empregadas domésticas, a partir da filmagem dos jovens que vivem nas casas onde elas trabalham.
O documentário é excelente por vários motivos. Da concepção ao contexto político (a PEC das domésticas jogou luz sobre o tema), o filme é imperdível. Em pouco mais de uma hora o telespectador é obrigado a enfrentar vários problemas que costumam passar despercebido no cotidiano das empregadas.
Mas queria aproveitar o dia e o documentário para fazer outra análise, que parte da questão das domésticas e deságua em uma situação social perversa, que o Brasil reproduz há anos. A emenda à Constituição que deu às empregadas domésticas equiparações de direitos trabalhistas é um ótimo instrumento para ajudar a superar esta situação, mas temo que muito do que o trabalho servil destas trabalhadoras representa ainda perdure por anos, possivelmente, décadas.
O que o filme mostra com muita evidência é a relação servo-patrão que o regime de trabalho das domésticas tão bem representa. É uma situação obtusa, onde se confundem valores morais com super-exploração do trabalho. Em outras situações esta relação se repete, porém, não de forma tão explícita.
A beleza da produção de Gabriel está no fato de mostrar como nosso país guarda um pé na subserviência de uma moral que parece conformar ambas as partes. Em muitos momentos fica evidente que as empregadas sabem que são exploradas em grau muito maior do que o “aceitável” em uma relação de trabalho. Ao mesmo tempo, há um conformismo inerente à situação delas. Algo que é um “dado” da realidade: é assim e nunca vai mudar.
Aos estudiosos da filosofia, me desculpem pelo simplismo, mas penso que Hegel tenha explicado bem que na relação senhor-escravo, ambos contribuem para que ela permaneça como está. Vejam: não se trata em responsabilizar o oprimido pela opressão que vive, não é isso. Mas em alguns casos, as relações humanas são tão devastadoras para os oprimidos que eles terminam por aceitar sua condição. É um dos fatores que faz com que após séculos de escravidão dos povos negros, vários escravos tenham “entregado os pontos” e se “conformado” com sua situação. Algo semelhante pode ser encontrado nos campos de concentração nazista. E, em certa medida, na relação emprega-patrão.
Essa é, em minha opinião, a melhor contribuição do documentário para as relações sociais no Brasil de 2013. Mais do que evidenciar a super-exploração, Doméstica mostra como as relações são intricadas em nosso país e ajuda a entender porque a aprovação da PEC das domésticas deixou muitos patrões revoltados.
Para vários deles, a empregada é mesmo parte da família. Na cabeça de muitos, o fato de ajudar com a gravidez da doméstica, a ideia de deixá-la sentar a mesa para comer a comida que todos comem é um sinal de inserção dela na casa. É óbvio que se trata de um sentimento mentiroso. Pelo que vi, parece uma espécie de parede, para esconder de todos o que realmente acontece: mulheres em subempregos, morando mal, sem direito à folga ou qualquer outra garantia trabalhista. Como disse em outro post, várias delas que já figuram no rol de direitos de outros trabalhadores há décadas.
A questão é que esta relação servil contamina a própria empregada. É mais ou menos como aquela lógica medieval, onde os lordes tinham o dever de proteger os servos de invasões bárbaras e em contrapartida, os servos trabalhariam para seus lordes.
Na questão das empregadas, parece que a contrapartida ao “grande benefício” de entrar para a família seja o trabalho com um nível de exploração que beira mesmo a servidão.
Este modelo de relação de trabalho é típico de países subdesenvolvidos. Qualquer passada de olhos em países desenvolvidos, europeus ou não, vai mostrar como a situação é muito diferente da nossa. Menos por conta da riqueza do país – que é importante – e mais pela distribuição de renda. O abismo social que lentamente começamos a vencer, talvez seja a principal razão para que tenhamos este quadro.
E ainda, quando me refiro à distribuição de renda, é bom ficar claro que ela não diz respeito apenas à diferença entre ricos e pobres. Desigualdade se mede também pela diferença de salários entre brancos e negros, homens e mulheres, pessoas com o ensino médio e com pós-doutorado.
E por isso, apesar de seguirmos com um país com tantos problemas, hoje é dia de comemorar um avanço histórico nas relações de trabalho no país. Apesar do aumento de demissões, apesar de toda a briga pela regulamentação de vários direitos às domésticas, a PEC nº 72/2013 está obrigando todos a olharem para esta situação perversa, praticamente medieval.
Por isso, para quem gosta do assunto, o documentário é fundamental. Recomendo, e muito.
Um blog que é tudo, menos coxinha

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