O noticiário das últimas semanas deixou entrever um quadro desalentador da forma como o País vem administrando seu parco esforço de investimento. Basta ter em conta o mosaico de desacertos que emerge das notícias abaixo.
Seis anos após ter sido iniciado com todas as fanfarras, o projeto de transposição do Rio São Francisco ainda está muito longe do fim. E não é só uma questão de atraso. Reportagem especial sobre a obra (Estado, 19/5) dá conta de um quadro de abandono, longos trechos inacabados, canais de concreto estourados e poucos canteiros de obra ainda em atividade. No biênio 2011-2012, o governo investiu no projeto 35% menos do que tinha sido investido no biênio anterior. E, agora, promete que “os problemas do passado não vão se repetir”, que novos contratos serão assinados em breve, que o que estiver danificado será refeito e que, em 2015, a transposição estará concluída e a água do São Francisco poderá afinal chegar às regiões que serão beneficiadas pelo projeto. Mas, com base no deplorável padrão de gestão dos últimos anos, é pouco provável que esse novo prazo vá ser cumprido.
Os custos de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, vem estourando por larga margem os valores inicialmente orçados (Estado, 12/5). Entre as várias razões para o estouro de custos, num canteiro de obras marcado por relações muito tensas, têm sido mencionadas as sucessivas interrupções das atividades em decorrência de invasões de índios e paralisações promovidas pelos trabalhadores. As grandes construtoras vêm-se queixando também da baixa produtividade do trabalho. Alegam que, ao contrário do que se deveria esperar, tendo em vista a intensidade da inovação tecnológica e da mecanização observada nas últimas décadas, as obras de construção pesada têm exigido mais mão de obra do que exigiam no passado. Arguem que obras similares, feitas há mais de 30 anos, requeriam um contingente de mão de obra 30% menor do que hoje se faz necessário (Estado, 15/5). São alegações intrigantes que merecem análise mais detida.
Na semana passada, por determinação judicial, a Petrobrás se viu obrigada a interromper as obras do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), gigantesco projeto iniciado em 2008 com previsão de investimento de mais de US$ 8 bilhões. Um juiz federal de Itaboraí havia acolhido uma ação que contestava a suficiência da emissão de licenças ambientais na esfera estadual e arguia que um órgão federal, o Ibama, teria de ter se pronunciado sobre o projeto. Com a interrupção, 15 mil trabalhadores tiveram de voltar para casa. As obras só puderam ser restabelecidas dias depois, quando a Petrobrás conseguiu decisão cautelar da Justiça (Estado, 16/5 e 18/5).
Mobilizado com a reeleição, o governo agora se deu conta de que pouco ou nada fez, nos últimos dez anos, para enfrentar a vergonhosa carência de saneamento básico que ainda se vê no País. Cerca de metade da população não tem acesso à rede de esgoto. Como, no plano das ações, já não há mais tempo para providências concretas, o governo resolveu mostrar-se preocupado com o problema no plano das intenções. A presidente pretende anunciar em junho, com o alarde de praxe, um amplo programa de investimento em saneamento básico (Estado, 15/5). A ideia é prometer universalização do serviço até 2033. Isso mesmo, daqui a 20 anos. Tempo suficiente para que uma menina de sete anos, que hoje brinca no esgoto a céu aberto, ainda possa ver sua filha, com a mesma idade, na mesma situação. Causa espanto que um governo que alega representar os interesses das classes mais desfavorecidas entenda que, após tanto tempo de descaso, a universalização de serviços de saneamento ainda possa ser adiada por mais 20 anos. Mas a verdade é que Brasília tem outras prioridades. Basta lembrar a lamentável fixação do Planalto no projeto do trem-bala, roseamente orçado, por enquanto, em nada menos que R$ 35 bilhões.
Por Rogério Furquim Werneck, economista e professor da PUC-Rio
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