Economistas de prestígio, Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart estão à cata de proteção. Alvejados pela fuzilaria dos colegas liberais, tratam de justificar as conclusões de seu trabalho sobre as relações entre dívida pública e taxas de crescimento. Os dois economistas enveredaram pelo perigoso caminho de estabelecer relações de causalidade entre duas variáveis, sem levar em conta as especificidades de cada momento histórico e as transformações sofridas pelas economias capitalistas no longo período examinado.
Rogoff e Reinhart trabalharam com dados dos últimos 200 anos de 44 países, desenvolvidos e em desenvolvimento. Seu principal achado foi a “notável associação” (sic) entre dívida pública bruta igual ou superior a 90% do PIB e baixas taxas de crescimento.
Três economistas da Universidade de Massachusetts Amherst apontaram impropriedades e omissões nos procedimentos estatísticos da dupla. Mas isso não é o mais importante. Mais grave é a tentativa de sacar conclusões de política econômica a partir de correlações entre duas variáveis, dívida bruta e taxas de crescimento.
Os economistas de Amherst reconhecem que, em seu último trabalho, Reinhart e Rogoff chegam a admitir de passagem a possibilidade de uma causalidade reversa entre dívida e crescimento: o baixo crescimento pode aumentar a dívida pública ao reduzir as receitas fiscais e induzir um aumento dos gastos dos governos.
No entanto, nos textos anteriores de 2010, os autores estabelecem uma clara relação de causalidade: o movimento vai da ampliação da dívida pública para a taxa de crescimento do PIB.
As tentativas de estabelecer relações de causalidade em economia, mediante o uso de procedimentos estatísticos e econométricos, sobretudo na análise de séries longas, estão sujeitas a muitas restrições de método e de lógica.
Tais restrições foram apontadas por Keynes em sua crítica ao texto Statistical Testing of Business Cycles, do economista holandês Jon Tinbergen, publicado pela Liga das Nações em 1939.
Não vou submeter o leitor ao exame da longa argumentação de Keynes sobre o caráter inapropriado de procedimentos semelhantes aos utilizados por Reinhart e Rogoff. Darei um exemplo: ao tratar das flutuações do investimento, Tinbergen atribui relação às flutuações dos lucros. Caem os lucros, definham os investimentos. Keynes pergunta: e se as flutuações dos lucros fossem dependentes das flutuações do investimento, “como, de fato, acontece”?
A indagação de Keynes encontrou resposta no desempenho das economias centrais durante os assim chamados 30 anos gloriosos do imediato pós-guerra. Esse período foi marcado por uma virtuosa relação entre gasto fiscal, endividamento público e privado e taxas de crescimento. Esse sistema evoluiu de maneira bastante estável. As cargas tributárias e o gasto público subiram rapidamente em quase todos os países desenvolvidos. O investimento público correu à frente do crescimento do PIB.
Esse arranjo favoreceu o crescimento dos lucros e dos salários reais, em consonância com os ganhos de produtividade, elevando as receitas dos governos e estimulando o investimento das empresas.
Os níveis de endividamento ex-post do setor privado e do setor público como proporção do PIB evoluíram satisfatoriamente, porque as taxas de crescimento elevadas permitiam a absorção da alta propensão ao endividamento ex-ante.
À medida que nos aproximamos do fim dos anos 60, o fim da reconstrução europeia e o acirramento da concorrência entre as economias centrais acarretaram o forte declínio do investimento privado e a consequente queda dos lucros. As intervenções do Estado se tornaram pouco efetivas para reestimular os animal spiritsdo setor privado. Os déficits crônicos e crescentes dos governos engordavam as dívidas públicas.
Diante da estagflação dos anos 70, os conservadores passaram a preconizar a redução de impostos para os ricos “poupadores”. Os sistemas de tributação progressiva eram acusados de desestimular a poupança e debilitar o impulso privado ao investimento.
A prodigalidade dos favores fiscais para as camadas endinheiradas fez pouco ou quase nada para impulsionar o crescimento nas economias maduras, mas promoveu a farra do endividamento das famílias, os sucessivos déficits fiscais e a explosão das dívidas públicas.
Por Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor
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