sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sobre portos e projetos nacionais

imagem aérea Porto de Santos


A aprovação da MP dos Portos foi mais um daqueles momentos tristes da política brasileira. Em nossa história recente, foram poucas as vezes em que se demonstrou tanta inabilidade no trato da coisa pública. A forma e a velocidade da votação no Congresso mostram como a discussão sobre o desenvolvimento brasileiro (não) tem sido feita. Não digo que o modelo “a favor ou contra” seja inaceitável durante a votação legislativa. No frigir dos ovos, é assim que acontece. Desde Roma.
O problema é a total ausência de discussão fora do cenário político-partidário. Fora da agenda legislativa, pouco se ouviu sobre o contexto ela está inserida. Como disse, não acho que o processo de votação legislativa comporte grandes discussões de ideias. Não que elas não possam existir, mas a própria ideia de partido vai contra isso.
Enfim. Mais uma vez, o governo atropela a possibilidade de discussão e opera para que sua vontade seja feita. Sinceramente, me incomoda mais o fato dos movimentos sociais, setores do partido e o resto da sociedade não forçarem um debate mais aprofundado sobre o tema do que o governo tenha tal benevolência. Até seria legal se tivesse, mas acho que a responsabilidade em promover a discussão deve ser compartilhada com todos os agentes políticos, para dizer o mínimo.
Resumidamente, a MP dos Portos aumenta a participação do capital privado no setor portuário, tanto nos terminais quanto em questões logísticas. A parte mais polêmica – ao menos para este que escreve – é o fato do novo regime portuário comportar a participação, dentro de portos públicos, de empresas privadas. Na prática, teremos terminais privados operando ao lado de terminais públicos ou sob modelos distintos de concessão.
Acho que é indiscutível que um dos maiores gargalos da indústria é o nosso sistema logístico, especialmente na parte portuária. E sinceramente, não acho que seja possível a Administração Pública dar conta do recado sozinha. Não agora. Porém, apesar de concordar com esta avaliação, sou contra a Medida Provisória recém-aprovada.
O principal motivo é a circunstância em que este projeto está inserido. Sob o pretexto de ajudar o setor produtivo nacional, aprova-se a mudança de regime de gestão em um setor fundamental para qualquer país do mundo. Apoia-se ou não a medida única e exclusivamente pelo fato de ser do governo. E só. Não se discute estratégia de desenvolvimento, compensações ou mesmo alternativas. É pegar ou largar. Por isso, não acho estranho que a sua votação tenha sido movida à emendas e destaques, que em geral só representavam interesses de grupos de empresários, sem respaldo social algum.
A questão aqui é a esta MP refletir uma mudança de postura do governo Dilma, que por achar que os investimentos públicos em infraestrutura não estavam trazendo os resultados esperados, optou por aumentar as concessões à iniciativa privada. Em poucos meses, o governo mudou sensivelmente o modo de promoção do desenvolvimento. Saiu de um modelo que buscava uma maior preservação da presença estatal para um modelo mais centrado no capital privado. Os leilões dos blocos de petróleo e outras medidas confirmam esta ideia.
Muito dessa mudança se deve ao baixo crescimento que o país atravessa. Sob a lógica do governo, uma maior participação do setor privado na parte de infraestrutura daria agilidade às obras ao mesmo tempo em que aquece a economia.
Como disse, acho que nossa “conjuntura de médio prazo” impede que o Estado sozinho dê conta de resolver os gargalos que o país tem. Porém, acho bastante equivocada a forma como esta mudança de postura aconteceu. Com pouco planejamento e com um “que” de eleitoreira (a economia precisa crescer até 2014), esta postura privatista só serve aos interesses de meia dúzia de empresários.
Se o governo acha – por qualquer motivo que seja – que precisamos de mais capital privado no setor de infraestrutura, esse modelo deve ser pensado como um todo. Ou seja, precisamos de um planejamento global do projeto de desenvolvimento para isso. Até aqui, o que a União tem feito é uma espécie de “catadão” de benefícios ao setor privado. Desoneração de folha de pagamento, de impostos, concessões etc, não compõem um plano de ação do governo central. Pelo contrário, são medidas que guardam pouca – ou nenhuma – inter-relação umas com as outras.
O que ninguém tem – nem governo nem oposição – é um projeto de país. Não se pensa de forma sistêmica como enfrentar nossas deficiências. Que setor da indústria investir (quanto e o que), como priorizar a infraestrutura, como devemos repensar nosso sistema tributário. Que tratamento daremos ao mercado interno, qual deve ser a participação do Estado na economia, qual o nível de regulação do mercado financeiro etc.
Esse é mais um exemplo da situação que nos encontramos hoje. Queremos trocar a turbina do avião com ele voando, mas trabalhamos como se ele estivesse no hangar. Pior: cada um resolve trocar a turbina do seu jeito, de acordo com os seus interesses.
Nessas horas quem me dá saudade é Celso Furtado. Por mais que se discorde de suas teses, é impossível não concordar que ele (e outros da sua época) ousou pensar um projeto para o Brasil. Algo com começo, meio e fim. Os 10 anos de governo petista trouxeram mudanças profundas para o país e certamente não seremos mais como antes de Lula. O problema é que para dar conta do que falta, precisamos ser mais sérios. Precisamos deixar de ser adolescentes, que só pensam no curto prazo, para virarmos adultos.

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