Dos séculos 11-12 (baixa Idade Média) ao início da era moderna (séculos 15-16), os mercadores tiveram papel importante e destacado na formação do capitalismo. A intensificação do comércio de mercadorias, que eram trazidas pelos mercadores de locais distantes e exóticos, ocasionou a expansão e integração de mercados, a ampliação do crédito, o aumento da riqueza e o crescimento das cidades, processo necessário ao desenvolvimento do sistema capitalista de produção, em oposição à então decadente economia feudal.
No entanto, a paixão às vezes desenfreada pelos negócios e pelo dinheiro e a prática habitual da usura (ganho excessivo, ilícito, condenado pela igreja católica da época) geraram muita reação às atividades dos mercadores e depreciaram a sua imagem. Isso foi retratado na literatura por escritores célebres como Shakespeare e Molière.
Com o avanço e consolidação do capitalismo, novos agentes assumiram as atividades do comércio e do crédito e a figura emblemática do mercador foi, assim, substituída. Mas a índole pragmática e revestida de certo imediatismo, tão característica do mercador medieval, incorporou-se ao mundo dos negócios e, também, às relações sociais, políticas e à vida privada e perpetuou-se ao longo dos séculos.
Brasil, século 21: quem são os mercadores de hoje, os que agem com astúcia de mercador? Possivelmente negociantes inescrupulosos, amantes do dinheiro a qualquer preço, a exemplo do que ocorreu na recente fraude do leite no Rio Grande do Sul. Talvez certos operadores de telemarketing, que fazem ouvidos de mercador (fingem não entender) diante de solicitação não atendida do cliente. Muito provavelmente os que negligenciam a saúde alheia. Talvez, ainda, alguns integrantes dos poderes de Estado quando fazem vistas grossas às demandas e expectativas da população. Mas não só.
A esperteza não é atributo exclusivo do mundo dos negócios. Interesses escusos e ambição desenfreada permeiam a sociedade moderna, contemporânea, tanto nas atividades produtivas, empresariais, quanto na atividade pública e na vida privada. É o primado do gosto desmedido, insaciável, pelo dinheiro e, também, por fama e poder. Em face dessa realidade, é fundamental que o cidadão consciente torne-se mais exigente no trato e na qualidade do que escolhe, compra, recebe e consome, tanto em suas relações com o Estado quanto em suas relações sociais e mercantis.
Por Otilia Beatriz Kroeff Carrion, Doutora em Economia/USP
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