Já é legado
Por RONALDO FENÔMENO, para a “FOLHA”
Eu passei a minha carreira ouvindo que nós tínhamos o melhor futebol do mundo dentro de campo, mas que estávamos atrasados e ficávamos muito a dever fora dele. Pois é, isso já mudou. Nunca imaginei que, ao mesmo tempo em que nossa economia mostra força e o país cresce, a Europa e os Estados Unidos sofreriam com problemas econômicos.
Nunca pensei que teríamos -de uma só vez- uma discussão nacional para reformar aeroportos, melhorar a infraestrutura hoteleira, acelerar obras de mobilidade urbana e construir ou renovar 12 estádios com padrão de qualidade internacional.
Mas é isso que está acontecendo. Por causa da Copa do Mundo da Fifa. Isso já é legado e está por toda a parte. Mais trabalho para a população (só nos estádios, são quase 30 mil novos empregos), capacitação profissional, aceleração de obras públicas que talvez só acontecessem daqui a alguns anos, melhorias dos centros de treinamento (CT), entre tantos outros progressos.
Vejo isso nas visitas e na mídia. Mas, infelizmente, vejo também uma parte que prefere diminuir esse legado. Dizem que os estádios recebem dinheiro público. Verdade. Até porque a maioria deles pertence aos Estados. Mas isso é parte de um investimento que já traz frutos. Sem estádios não há Copa.
E sem Copa, como seria?
Li um estudo da Ernst&Young Terco mostrando que a movimentação econômica da Copa é cerca de cinco vezes maior do que todo o investimento público feito para o evento. Os números estão aí para quem ainda não viu.
Que me desculpem os que acham o contrário, mas não há crítica que me convença de que sediar a Copa não é um bom negócio. Basta ver a disputa que ela provoca entre os maiores países do mundo, incluindo aqueles que a sediaram recentemente. E o brasileiro sabe disso. Segundo uma pesquisa da Sponsorship Intelligence, 70% dos brasileiros têm orgulho de sediar a Copa e acreditam que ela terá um impacto positivo. Tenho certeza de que esses números serão ainda maiores depois do evento.
Não é uma questão de perguntar se conseguiremos ou não organizar o torneio, ou se dará certo ou não. A Copa do Mundo já está acontecendo. Os estádios são uma realidade. Seis deles estarão prontos e testados um ano antes da Copa começar.
A Copa já é uma realidade não apenas para os brasileiros. O entusiasmo dos estrangeiros com o torneio é enorme. Prova disso são os números de venda de ingressos e camarotes e das inscrições do programa de voluntários. Em apenas um mês, mais de 130 mil pessoas de 146 países se cadastraram no processo seletivo que vai definir a equipe de voluntários para a Copa das Confederações e para a Copa do Mundo.
Desde que comecei a viajar pelas 12 sedes pelo Comitê Organizador Local (COL), acompanhando a Fifa e o governo federal, quando nos encontramos com prefeitos e governadores, vejo o empenho de cada um em deixar um legado. Gostaria que todos pudessem ver o que eu vi.
Os trabalhadores da obra em Itaquera se alfabetizando, a alegria dos operários em Fortaleza ao receber simbolicamente um ingresso para a primeira partida da Copa no estádio que ajudaram a construir, o trabalhador que participou da construção da Fonte Nova original e agora a está reconstruindo em versão moderna e sustentável, comparável às melhores arenas europeias.
Mas o maior legado da Copa do Mundo nem sequer pode ser medido. A Copa pode botar o Brasil de vez no mapa dos grandes destinos. Vai mexer com a autoestima dos brasileiros, vai trazer uma mudança de mentalidade, não para que as pessoas acreditem que é possível fazer o que parecia exclusividade de outros países. Mas para que percebam que nós já fazemos isso e não nos damos conta. Vamos deixar a ficha cair. Podemos, sim, organizar a Copa. Sim, ela é boa para o Brasil e para os brasileiros.
E a Copa das Confederações em junho é a primeira oportunidade de dar uma ótima impressão do Brasil para que a Copa do Mundo seja um convite irrecusável. Para deixar todos com a sensação de que, se o teste já foi bom, imagina na Copa.
RONALDO NAZÁRIO, 36, ex-jogador, é membro do Comitê Organizador Local (COL)
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