Por Diana Lichtenstein Corso, Psicanalista
Não mais nos reunimos em praça pública para ver a cabeça dos culpados rolar ou pender. Mas, sempre que possível, fazemos isso no noticiário e, principalmente, nos cinemas. Nos antigos filmes de cowboy, um catártico tiroteio garantia a punição dos bandidos e a saída incólume do herói. Duros de matar, esses homens a cavalo foram logo substituídos por policiais igualmente solitários. Final feliz requer o chão coberto de corpos dos maus. Em “Django Livre”, como já fizera em “Bastardos Inglórios” e em “Kill Bill”, o diretor Quentin Tarantino arma seu roteiro a partir da nossa sede de vingança contra escravocratas, nazistas e machistas violentos.
Sou uma vingativa confessa, quero ver sangue. Mas fique tranquilo, no sentido figurado. Nada de pena de morte e torturas. Sei que a civilização começou quando alguém abriu mão da retaliação. Na vida real, a morte só deve ocorrer quando inevitável. Porém exorcizo minhas pendências na ficção. Da segunda guerra, onde meus antepassados e parentes foram assassinados, gosto de lembrar que existiu o Levante do Gueto de Varsóvia. Como eles, se fosse para morrer gostaria de levar pelo menos um nazista comigo. Na fantasia sempre somos mais corajosos.
A vingança, seja histórica ou pessoal, funciona de forma parecida com o fim litigioso de um relacionamento amoroso. Sejamos sinceros, não queremos que o outro seja feliz, lhe desejamos a morte lenta e o ostracismo. Todo mundo sabe que odiar é outra forma de amar, às avessas, que o oposto do amor é a indiferença, que o melhor troco é ignorar, genuinamente. Mas isso leva muito tempo para ser possível e mesmo assim sofremos recaídas. A dor deixa cicatrizes e elas são lembretes lavrados na pele, para sempre.
Os protagonistas dos filmes de Tarantino carregam essa insígnia, assim como os judeus tatuados, os escravos marcados, o mesmo ocorre com o maior vilão nazista em “Bastardos”. Há coisas que não são passíveis de um desfecho elegante, como seria a superação. Nem tudo se consegue esquecer, mesmo porque precisamos garantir que nunca se repita.
Os protagonistas dos filmes de Tarantino carregam essa insígnia, assim como os judeus tatuados, os escravos marcados, o mesmo ocorre com o maior vilão nazista em “Bastardos”. Há coisas que não são passíveis de um desfecho elegante, como seria a superação. Nem tudo se consegue esquecer, mesmo porque precisamos garantir que nunca se repita.
Questiona-se a cantilena de afrodescendentes e judeus que estão sempre na defesa e não perdoam os maus-tratos sofridos. Em parte, ela é necessária: preconceitos estão sempre ressurgindo, é preciso ficar em guarda. Porém, nem os descendentes de alemães nem os brancos da atualidade têm culpa pelos absurdos cometidos pelos seus antepassados. O que fazer, então, com os restos desse ódio vingativo? Tratá-los com o mesmo preconceito que se sofreu seria indigno, igualmente vergonhoso.
Mas como conviver com as cicatrizes que latejam, a mágoa que espreita pronta para pular sobre nós, a autocomiseração, que pode não orgulhar-nos, mas compõe nosso lado sombrio? Depurá-lo no cinema é uma forma de eliminar o excesso. É uma sangria do despeito, da tristeza, que permite manter o fluxo da civilidade. Não somos, nem nunca seremos, totalmente civilizados. Potencialmente, somos tanto algozes, quanto vítimas vingativas. Haja matinê!
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