Por Antônio Delfim Netto, economista, professor, ex-ministro e ex-deputado federal
O problema da inflação no Brasil é, em parte, resultado do comportamento extravagante do próprio governo, que:
1º) Por um lado, com a mão da política social, estimula aumentos importantes do salário mínimo acima da produtividade média do trabalho (usando o PIB total, e não o per capita somado à inflação passada) e outras formas de transferências à custa do investimento público. Isso diminui a eficiência da economia. Mas, ao mesmo tempo, contribui para a desejada e necessária inclusão social;
2º) Por outro lado, com a mão da política econômica, tenta corrigir tais efeitos inflacionários com medidas monetárias, sem atacar com rigor problemas estruturais e institucionais como a indexação. Trata-se de um combate socialmente custoso e de resultado lento.
A questão se complica quando se generaliza a crença de que os economistas possuem “receita” que torna fácil o seu controle. Basta aceitar, como alguns deles fazem pouco criticamente, que os agentes econômicos são otimizadores racionais e estender tal crença à macroeconomia, para construir um “modelo” (um mundo imaginado) no qual uma adequada combinação de políticas fiscal e monetária contracionista faz o seguinte:
1º) A taxa de inflação convergir para qualquer “meta” na velocidade desejada;
2º) Num prazo mais longo, a atividade econômica convergir para o “PIB potencial”;
3º) A taxa de desemprego convergir para o nível que mantém estável a meta estabelecida de inflação.
Nada de complicação! Esqueçam os choques de oferta agrícolas, os aumentos de impostos, os movimentos da conjuntura mundial, o desequilíbrio estrutural do mercado de trabalho, o descompasso entre a política social e a econômica etc.
Se a inflação está acima da meta, mesmo com um pífio crescimento, Selic nela! Já tende à esquizofrenia. Reze, acredite, sente e espere. Num prazo indeterminado, o resultado virá como sugerido acima.
Não se está recomendando transigir com a inflação, mas apenas sugerindo que o seu controle não cabe somente à política monetária. Exige uma coordenação com a política fiscal e medidas estruturais adequadas.
Já nos idos de 1948, na velha FEA-USP, o professor de teoria da moeda, Dorival Teixeira Vieira, insistia que “o processo inflacionário é semelhante ao creme dental: quando escapa do tubo, não é tarefa trivial recolocá-lo”.
A razão disso é a sua forma insidiosa. Ele depende não apenas das causas físicas visíveis, mas da insondável “expectativa” que os agentes formam sobre ela.
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