A linha de frente do combate ao crime na Amazônia (parte 2)
por Thiago Medaglia em 20 de fevereiro de 2013
A revista NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL de fevereiro traz a reportagem “A ferro e fogo”, feita por mim e pelo fotógrafo Izan Petterle no polo Carajás, nome dado ao parque siderúrgico no Norte do Brasil.
Um dos pontos abordados é o impacto social da produção de carvão vegetal, que é utilizado pelas usinas siderúrgicas na produção de ferro fundido.
O contraste entre os lucros milionários da siderurgia e da mineração e a dura realidade das pessoas da região ficou evidente em vários locais que visitamos. Um deles é a cidade de Açailândia, no Maranhão.
Com 105 mil habitantes, Açailândia é dona da segunda maior arrecadação do estado – fica difícil entender por que o esgoto corre a céu aberto em pleno centro lotado de lojas e pedestres.
A ausência do poder público torna determinante a atuação da sociedade organizada. É o caso do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailândia, uma ONG local dedicada a combater o trabalho escravo no Maranhão.
São funcionários expostos a condições análogas à escravidão: sem registro em carteira, sem equipamento de segurança, sem alojamento, sem direitos fundamentais, como acesso à água potável.
Os empregadores costumam ser pecuaristas ou donos de carvoarias e alguns deles foram denunciados às autoridades ou expostos em reportagens graças ao trabalho do CDVDH de Açailândia. Mas expor a ilegalidade pode ser perigoso.
De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Maranhão é o estado brasileiro com o maior índice de violência no campo. Sete pessoas foram assassinadas em 2011 e três em 2012 – 106 pessoas estão ameaçadas de morte.
Quem vive isso na pele é Antonio Filho, secretário executivo do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), que já perdeu as contas de quantas intimidações sofreu.
Filho, como é conhecido, nasceu e cresceu em Açailândia. Seu pai, lavrador e líder sindical, era um sujeito simples, mas politizado. Depois de concluir os estudos na escola pública, Filho começou a colaborar com o CDVDH. O engajamento foi grande, e sua vida acabou transformada. A ONG pagou a continuidade dos estudos do menino, que hoje é advogado e defende a população explorada.
O reconhecimento de sua atuação veio em 2011, quando recebeu o Prêmio Nacional Direitos Humanos, oferecido todos os anos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
Foi, também, uma tentativa de tornar seu nome mais conhecido. Imaginam as autoridades que dessa forma Antonio Filho estará um pouco mais protegido de seus inimigos – o que faz sentido.
Mas será o suficiente?
Antes da indicação ao prêmio, em fevereiro de 2011, a polícia interceptou um plano para acabar com a vida de Antonio Filho, e ele foi levado com a família a Brasília. Um miniexílio de 15 dias, acompanhado da esposa e das duas crianças pequenas do casal.
Após a conclusão dos procedimentos básicos de segurança (que envolvem a coleta de depoimentos), um relatório foi submetido ao Conselho Geral do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), ligado à SDH/PR. O conselho é o fórum adequado para definir quem entra ou não no Programa. Até então, Filho estava sob acolhimento provisório com duração de 20 dias.
“Nesse meio-tempo”, relata ele, “foi decidido que, entre março e junho [de 2012], uma equipe do programa de proteção iria até Açailândia para fazer barulho” – ou seja, promover audiências públicas, reuniões com autoridades locais, convocação de outros defensores da região. Enfim, deixar clara a presença do Estado na cidade. Só que ninguém veio.
Até hoje, fevereiro de 2013, Antonio Filho não recebeu nenhum comunicado oficial da decisão do Conselho Geral do Programa de Proteção quanto a sua ingressão em níveis mais avançados de proteção.
Um caso emblemático ocorreu em 2010, quando a então relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão, a advogada armênia Gulnara Shahinian, veio ao Brasil, mas não foi levada a Imperatriz, Açailândia, Marabá ou qualquer outro destino campeão de ocorrências desse tipo. “Queriam garantir a segurança de ministros, senadores e da própria relatora”, explica Antonio Filho.
E como fica quem está na linha de frente do combate ao crime na Amazônia?
O que diz a Secretaria dos Direitos Humanos
Contatei a assessoria de comunicação da SDH/PR. A resposta (abaixo) deixa claro haver um número insuficiente de policiais para a proteção dos defensores dos direitos humanos na Amazônia:
“O Sr. Antonio José Ferreira Lima Filho foi incluído no Programa em abril de 2011. O defensor é acompanhado pela Equipe Técnica Federal do Programa. No dia 23 de outubro de 2012, em contato telefônico com a Equipe, o Sr. Antonio relatou que sua situação está tranquila no momento e que tem tomado precauções quanto a sua segurança.
“Ressalta-se que a proteção à vida não pode ser entendida, exclusivamente, como escolta policial, uma vez que a garantia da segurança necessariamente não se dá com a proteção policial, mas sim com ações de inteligência que possibilitam a investigação e a punição dos autores materiais e intelectuais das ameaças e dos crimes denunciados pelos defensores dos direitos humanos.
“Ademais, a SDH/PR e o Programa Federal não possuem efetivo policial, o que impossibilita o fornecimento de escolta. Esta medida é articulada com os órgãos estaduais de segurança pública, que podem atender à solicitação ou não, de acordo com as especificidades de cada caso e com a disponibilidade de policiais no local da atuação do defensor de direitos humanos.”
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