sexta-feira, 3 de maio de 2013

Helicóptero, sapatênis e paletó


maua2
O Grêmio Mauaense paga um salário-mínimo mais benefícios para cada jogador do elenco que disputa o Campeonato Paulista da Segunda Divisão, o nome que dão pra verdadeira quarta divisão pra que ela não pareça assim tão longe do Pacaembu. Mas o principal reforço da temporada chegou de helicóptero, sapatênis e paletó aos dezesseis anos e três dias de vida, nenhum gol marcado como profissional, nenhum jogo como profissional, nenhum treino como profissional, aliás, mas com um iphone bonitão com capinha de nota de dez – euros, óbvio – e todas as frases no currículo, de vim pra somar até jogo onde o professor preferir.
A vida do craque William McLaren daria um filme. No mínimo uma série de TV, vai. Ele era (deve ser ainda) um moleque bom de bola, daqueles que é dono do time aos doze anos, com gols de quem pega a bola lá atrás do vestiário e vai parar dentro da rede, vídeo amador perfeito pra passar no telão de Zurique o dia que ele foi finalista do Bola de Ouro. Mas aí essa rotina de quase craque foi ficando séria: um vídeo numa peneira virtual onde os jogadores mais votados iriam ganhar um teste num time grande, bombou. Ele chutou umas bolas no São Paulo, no Palmeiras, no Juventus da Mooca. Em vão.

Aí vem uma empresa de marketing esportivo e banca uma viagem do menino com o pai pra Londres. Lá ele conhece todos aqueles clubes que costumava usar no videogame, tira fotos na sala de imprensa, anda pelo vestiário. Me contou que o time de preferência é o Arsenal. O progenitor, Adalberto Alves, diz que McLaren teve propostas não só do time de Wenger, que até costuma entrar com um sub-17 na Copa dos Campeões, mas também do Chelsea, do Manchester United e o Liverpool. Recusou.
Recusou, me narra o Seu Alves, porque a família achou que não era hora do garoto ficar longe da família. “Ele está só brincando de bola”. Tá. A sequência da história é que o jovem William voltou pro Brasil pra morar no Tatuapé, bairro paulistano, e começou a caçar um time na região. “Chegou muita proposta, mas não valeria ir pro Interior, porque ia ficar longe da família do mesmo jeito”. Enfim, foi parar no Mauaense, campeão da Série A-3 em 1985 e, depois de cair, campeão da Segunda Divisão, a quarta, lembra?, em 2003.

Vou no presidente e quero entender melhor essa epopeia. Marco Antônio Quinho fala que o menino vai ter o mesmo tratamento do resto do elenco: salário-mínimo mais benefícios – ele calcula que cada jogador custa uns dois mil pro Grêmio com os custos de hospedagem, alimentação, etc. – e um contrato até o final do ano. Mas e se o Liverpool buscá-lo mês que vem? “Tem que comprar do Mauaense”.
la musa el crack y el funkero
Eram pouco mais de três da tarde duma segunda-feira ensolarada em Mauá, o início da semana da estreia no Paulistão. Quando o helicóptero que trazia o reforço começou a sobrevoar o estádio Pedro Benedetti, os atletas tiveram o treino de dois toques interrompido e fizeram uma fila pra receber a estrela. O primeiro a descer foi MC Gui, um funkeiro local que tem ali seus quinze, dezesseis, também. “Nossa, que bosta”, comentou um com cara de quarto-zagueiro quando o artista soltou uma rima improvisada que jamais irei lembrar, mas algo que terminava como tamo aqui, Willian e MC Gui, sei lá. A musa do Grêmio Mauaense também foi chamada no microfone, para delírio da molecada do sub-13 e sub-15 que estava na arquibancada. William ainda teve que arranhar um inglês com um trio de investidores japoneses que, amigos do diretor da empresa de marketing que cuida do moleque, marcaram presença na apresentação. “Tanqueú”, soprou um deles.
O apelido dele, McLaren, veio de criança, dado por um técnico que achava que ele corria muito pra pouca idade. Me aproximei e perguntei sobre o que ele esperava da Segundona, pra ouvir que ele sabia que ia ser difícil, duro, com jogadores mais velhos, mas que podia fazer a meia, o ataque e até a lateral. Digo se ele espera uma botinadas nos treinos. Ele sorri, se diverte. Ainda recebe um olá dum representante do prefeito, dum outro artista da região, da mãe, do irmão.
O presidente está feliz da vida, animado com o ano. A estreia, sábado passado, sem William e fora de casa, foi levando um 5 a 1 do Clube Atlético Diadema, debutante no futebol profissional. O menino ainda não sabe como joga, e agora não dá nem pra garantir um lugar na arquibancada pra próxima rodada: como o para-raio do estádio não passou na vistoria da Federação, o Mauaense recebe o Jabaquara, sábado, com portões fechados. Mas, torcedor, fique tranquilo: William McLaren deve postar os melhores lances no YouTube. Ou no Facebook.
Ah, o futebol moderno,
Paulo Silva Jr.

aguasanta
PS.: o grupo 8 da Segunda Divisão (a quarta, já sei), regionalizado, tem Jabaquara, Portuguesa Santista, Esporte Clube São Bernardo, Grêmio Mauaense, Diadema e Água Santa. Esse último é um time de várzea de Diadema que resolveu se profissionalizar neste ano, mas mantém o perfil de time de bairro. A torcida encheu o estádio do Baetão para a estreia, quando o Água bateu o S. Bernardo por 2 a 1. Dos seis, três times da chave vão à segunda fase.

Nenhum comentário:

Postar um comentário