As manifestações de junho cresceram e se nacionalizaram. Muita gente foi para rua. Grupos bastante heterogêneos compuseram as manifestações. Havia gente que protestava contra a condição de vida nas cidades, especialmente por transportes baratos e eficientes, acesso a serviços públicos de saúde e à educação de qualidade. Havia milhares de grupos de um só indivíduo: reivindicavam o fim dos impostos, a volta dos militares, Lula na cadeia, serviço de saúde pública para os animais, fim do Bolsa Família etc.
Havia também aqueles grupos minoritários que se organizaram com pauta objetiva e que identificavam exatamente os responsáveis pela situação de dificuldades que vivem. A passeata feita pelos moradores das favelas da Rocinha e do Vidigal, no Rio, foi negra, pacífica e se dirigiu à rua onde mora o governador para dizer “não queremos teleférico, queremos saneamento”.
Havia os agrupamentos de esquerda: gritavam pela democratização dos meios de comunicação, por mais verbas para a educação, contra a privatização do Maracanã etc. Havia também grupos fascistas: atacavam partidos políticos, entidades sindicais e estavam dispostos a depredar as cidades. Havia ainda aqueles que representavam a essência das ideias da mídia conservadora: contra a PEC 37, alguns fantasiados de Joaquim Barbosa tiravam fotos e levantavam cartazes contra Dilma, Lula e o PT. E, ao escurecer, o lumpesinato e vândalos aproveitavam para saquear e promover quebra-quebra.
Uma grande parcela também presente nas manifestações era composta de jovens que querem abraçar a política como instrumento de mudança. Mas, a maior parcela dos manifestantes compunha grupos de um só membro. A marca das manifestações foi o individualismo da reivindicação e do protesto. Mas, havia algo ainda mais amplo que o individualismo.
Parcela majoritária dos manifestantes, incluindo parte dos grupos de esquerda, concluíram que seu desejo de felicidade, sua reivindicação, somente não se realiza porque existe corrupção praticada pelos políticos que ocupam cargos no legislativo e no executivo. Assim, políticos, seus partidos e a corrupção foram eleitos os inimigos comuns. O próximo passo foi quase natural: “eles são os inimigos do Brasil”. Daí veio o orgulho de ser brasileiro cantado nas manifestações e a bandeira nacional vestida como manto – ou capa para aqueles que se sentiam heróis.
As bandeiras brasileiras e o hino nacional não representavam sentimentos contra as multinacionais, mas sim contra a corrupção e seus agentes no setor público. O setor privado não foi questionado, corruptores não foram mencionados. Por exemplo, as multinacionais que corrompem e sugam o dinheiro da saúde pública não foram lembradas.
O nacionalismo, que contribui para o desenvolvimento, é aquele que está voltado contra agentes econômicos externos e/ou que ferem a soberania nacional. A experiência internacional já mostrou que o nacionalismo voltado contra agentes internos resultou em atrocidades históricas. Expressou-se aqui um nacionalismo que se volta contra os políticos e as instituições necessárias à democracia. Em Porto Alegre, até um helicóptero sobrevoou manifestações com letreiros iluminados propagandeando que o país tem jeito, mas sem os partidos. A palavra de ordem de muitos, nos diversos protestos, era “o povo sem partido, jamais será vencido”. Após… cantavam o hino nacional.
Um único elemento externo presente nas manifestações foi a Fifa, que foi somente de forma tangencial confrontada com os interesses nacionais. O questionamento à Fifa e à Copa foi basicamente sobre o tema da alocação de recursos públicos, ou seja, se não houvesse escassez não teria havido contestação. Mas, o padrão Fifa foi valorizado. Havia cartazes: “queremos educação padrão Fifa”. Cabe lembrar que o padrão Fifa está voltado para a “higiene social” dos estádios, para afrontar a soberania nacional, para fazer businesse para a corrupção.
A Fifa e as multinacionais poderiam ter sido o foco nacionalista das manifestações. Mas, infelizmente o nacionalismo se voltou contra os políticos, seus partidos, as casas legislativas e o Executivo. É desse nacionalismo que precisamos?
Por João Sicsú
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