O mundo assistiu estupefato às revelações de um ex-agente da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, sobre a espionagem que seu país praticou em larga escala em todo mundo, afetando governos, cidadãos e empresas. Tão intensa era a atividade, que muito provavelmente eu, que aqui escrevo, e você, que me lê, tivemos telefonemas ou mensagens eletrônicas monitoradas. O livro que lemos, a música que ouvimos e o que comemos em nossa última refeição, além, evidentemente, de nossa opinião sobre os mais diversos assuntos, tudo isso pode estar anotado em algum arquivo. O grande irmão está nos observando.
E a invasão da nossa privacidade, confirmação das previsões do estado panóptico, é apenas um dos lados da espionagem, que atinge igualmente segredos industriais e políticas de estado.
O cinismo visto em alguns dos desdobramentos da revelação é de um trágico surrealismo. O autor das denúncias, Edward Snowden, não obtém asilo em nenhuma nação do mundo, e está retido desde 23 de junho em um aeroporto da Rússia, sob a ameaça de ser submetido nos Estados Unidos a uma corte marcial, que poderá condená-lo à prisão perpétua. Na tentativa de tirar-lhe qualquer alternativa, vários países europeus, eles próprios vítimas da espionagem, numa estranha combinação de vassalagem para com a potência maior e arrogância colonial em relação a um país do terceiro mundo, negaram sobrevoo ao avião que conduzia o presidente boliviano, porque suspeitavam albergasse clandestinamente o acusado.
Agem todos os países, mesmo os que esboçaram tímidos pedidos de explicação à águia americana, como se o denunciante devesse ser transformado num pária e a grave violação às suas soberanias e aos mais comezinhos princípios de privacidade, consagrados justamente na nação americana, fossem não mais que pequenos deslizes diplomáticos, a serem resolvidos por um pedido de esclarecimento.
Por outro lado, parece que os próprios cidadãos do mundo permanecem entorpecidos com a notícia da escandalosa prática. Talvez a nova cultura, bem expressa nas redes sociais, de exposição ao extremo da vida privada, tenha levado a uma banalização do voyeurismo, mesmo o estatal, e disso resultem não mais que chistes sobre o conhecimento que Obama tem da vida de cada um de nós. De certo modo, agimos como se não nos tivessem dito mais do que já sabíamos; afinal, se nossa vida já está de tal modo exposta, pouco altera saber que o grande irmão tem nosso nome e sobrenome.
Quanto a mim, que identifico no episódio uma criminosa violação de soberania nacional e do princípio de respeito à privacidade, e que não vejo a mobilização que gostaria de ver por parte dos estados nacionais e dos organismos internacionais, sonho que as próximas manifestações de rua no Brasil, e também manifestações nos demais países, tenham como bandeira o fim da espionagem por parte do poder imperial.
Por Pio Giovani Dresch, presidente da Ajuris
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