terça-feira, 30 de julho de 2013

Três processos, uma pergunta sem resposta: cadê o DARF, Globo?

                                          Globo sonegação   Em janeiro de 2013, a servidora pública Cristina Maris Meinick Ribeiro foi condenada pela 3ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro a quatro anos e onze meses de prisão. Entre outros crimes, ela fo  responsável pelo extravio, em janeiro de 2007, de um auto de infração que tramitava na Receita Federal desde outubro de 2006. No documento, um escândalo: R$ 183 milhões sonegados. Somando a multa e os juros, um total de R$ 615 milhões – quase R$ 1 bilhão, em valores atualizados pelo IGP-M. A ré? Globo Comunicação e Participações.
Em plenas férias, Cristina foi ao escritório da Receita em que trabalhava e simplesmente subtraiu o processo. Além dele, a ex-servidora também levou em sua bolsa a Representação Fiscal para Fins Penais anexada ao processo. O extravio foi confirmado pelas câmeras de segurança e pelo testemunho dos seus próprios colegas de trabalho.
Cristina Meinick, a servidora condenada pelo extravio do processo da Globopar.
Cristina Meinick, a servidora condenada pelo extravio do processo da Globopar.
(Você pode ler a íntegra da sentença no Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha)
Mesmo com tantas provas – e tantas condenações, em diversas instâncias –, Cristina se mantém em liberdade. Sua situação estava complicada até seus advogados entrarem com um recurso junto ao STF. Lá, o relator sorteado para o processo foi o Ministro Gilmar Mendes, que se encarregou de lhe conceber um providencial habeas corpus. No entanto, Cristina não é mais do que uma coadjuvante quase irrelevante dentro de uma história que começou há mais de uma década.
Enquanto isso, na Suíça…
Havelange e Teixeira: réus condenados na Suíça, blindados no Brasil.
Havelange e Teixeira: réus condenados na Suíça, blindados no Brasil.
O ano agora é 1998. Antes mesmo do início do Mundial da França ter início, a FIFA já planejava a realização das duas edições subsequentes. Era maio, e enquanto as seleções classificadas se preparavam para estrear nos gramados franceses, João Havelange, então presidente da Federação, negociava a venda dos direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006.
No dia 26, a FIFA fecha com a “Empresa 1” um contrato para transmissão dos Mundiais em rádio e TV para todo o mundo, exceto Estados Unidos e Europa, mediante uma compensação de US$ 650 milhões para o Mundial de Japão e Coreia, e de US$ 750 milhões para a Copa da Alemanha. Posteriormente, nos autos, a identidade real dessa empresa é revelada: trata-se da ISMM X1 AG, do grupo ISL, que opera na área do marketing esportivo e já foi parceiro de alguns clubes brasileiros.
Pouco mais de um mês depois, em 29 de junho, a tal “Empresa 1” assinou um sublicenciamento com a “Empresa 2” e a “Empresa 3” para a transmissão dos eventos no Brasil, no valor de US$ 220,5 milhões. O pagamento ficou acordado para o dia 17 de dezembro do mesmo ano. Nesta mesma data, nasceu a “Fundação 1”, que era composta por membros da diretoria da ISL e alguns outros. Na verdade, ela não passava de uma unidade de negócios da ISL em Liechtenstein, conhecido paraíso fiscal. Havia ainda uma “Empresa 4”, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (outro refúgio fiscal), que em 8 de fevereiro de 1999 teve seu patrimônio integralmente vendido, exatamente para a fundação em questão.
Essas informações não constam em documentos apócrifos ou “vazados” clandestinamente: estão presentes nos autos da investigação criminal que a Justiça suíça move contra Ricardo Teixeira e João Havelange, e foram tornadas públicas por ordem do próprio Poder Judiciário do país helvético (o blog Tijolaço disponibilizou o arquivo). Não é novidade para ninguém que as batatas de Teixeira e Havelange vêm assando há bastante tempo, assim como é amplamente sabido que a Justiça suíça já os condenou por suborno – este, intermediado justamente pelo grupo ISL. No entanto, os documentos revelam algumas novidades e, principalmente, novas personagens de uma novela que, apesar de pouco noticiada, já vive seus últimos capítulos.
Abaixo, você pode ler os autos do processo contra Havelange e Teixeira na Justiça suíça.

De volta ao Rio
Roberto Marinho ainda estava à frente da Globo em 1999, quando a FIFA negociou os direitos de transmissão dos Mundiais de 2002 e 2006.
Roberto Marinho ainda estava à frente da Globo em 1999, quando a FIFA negociou os direitos de transmissão dos Mundiais de 2002 e 2006.
Pouco menos de oito anos após a “Empresa 2” e a “Empresa 3” realizarem seus pagamentos à ISMM X1 AG para assegurar os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006 no Brasil, o auditor fiscal Alberto Sodré Zile protocolou o auto de infração contra a Globo Comunicação e Participações. Segundo o documento, a Globopar teria disfarçado a compra dos direitos dos Mundiais, que sofreria tributação, “transformando-a” em investimentos em participações societárias no exterior. A grande curiosidade é que o dinheiro da Globopar foi investido numa empresa denominada Empire (“império”, em inglês) – coincidentemente, nas Ilhas Virgens britânicas, onde a ISL também opera.
Abaixo, os autos do processo contra a Globopar, disponibilizados pelo blog sujo O Cafezinho:

Ora, já se sabe que as propinas comprovadamente recebidas por Teixeira e Havelange são frutos exatamente dos contratos de transmissão dos Mundiais de 2002 e 2006. E no Brasil, só uma emissora foi autorizada a televisionar tais eventos: a mesma que constituiu a empresa Empire nas Ilhas Virgens e, por isso, responde a um processo de sonegação fiscal – que mesmo extraviado, ainda está tramitando. Apesar da emissora já ter publicado nota alegando ter quitado os créditos fiscais em questão (assumindo, automaticamente, ter praticado o ilícito), a Receita continua declarando em seu sistema que o processo está “em trânsito”. Mas mesmo que os mais de R$ 900 milhões tivessem, de fato, sido pagos (ou melhor, devolvidos aos cofres públicos), isso não eximiria essa tal empresa do crime praticado contra o Fisco.
A única forma de esclarecer tudo, portanto, é mostrando aquele boleto extremamente familiar a todo brasileiro pagador de impostos: o Documento de Arrecadação de Receitas Federais, mais conhecido como DARF. Ao exibi-lo, no entanto, a emissora se colocará numa enorme sinuca de bico – mais precisamente, no epicentro de três processos que têm potencial para arranhar irreversivelmente sua credibilidade, já profundamente abalada por tantos episódios de desrespeito ao Brasil e ao seu povo. Enquanto ela mesma prefere fingir que nada está acontecendo e boa parte dos maiores veículos de mídia seguem a toada, os brasileiros seguem ganhando as ruas. E uma perguntinha singela, mas que não quer calar, preenche todos os requisitos necessários para entrar definitivamente na pauta dos tantos protestos espalhados pelo país: cadê o DARF, Globo?
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P.S.: A Record vem engrossando o coro das denúncias, e exibiu uma matéria que nós do Doentes por Futebol recomendamos fortemente.

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