Saudações, Madiba.
Falamos da capital do Brasil, Brasília, Distrito Federal. Fazemos parte de um grupo de jovens em busca de um país melhor. Contra a correnteza, nos últimos dois anos, temos levado educação política às escolas públicas do Distrito Federal.
Por estar internado desde o dia 8 de junho deste ano o senhor não deve ter visto que nosso país foi sacudido pelo protagonismo popular nas ruas. Após anos de repressão social, não mais pela força de ditadores ou de esquemas pesados de segregação racial, mas por uma enorme desigualdade social, intensa corrupção e ausência do Estado, a população externou a voz, o grito de dor. Só para mencionar, no dia 20 de junho, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em todo o país. Confessamos que têm sido dias de insônia.
Os mecanismos institucionais têm se movido esqualidamente em busca de solução. Podemos concluir que não foi o povo quem acordou, mas a presidente da República, os deputados e senadores, os governadores, enfim, toda sorte de agentes públicos começou a abrir os olhos.
Gostaríamos de mandar boas vibrações, Madiba. Temos buscado conhecer nossa realidade diuturnamente e atuar para modificá-la. Nesse percurso, a questão da alteridade tem reluzido e sua história na África do Sul tem servido de parâmetro.
Passar 27 anos na prisão, sendo furtado da realização de diversos sonhos, da alegria da companhia de familiares e amigos, do calor de uma mulher, é questão espantosa. Seu país viveu tempos de massacre social, de dominação da maioria negra, cerca de 80% da população, pela minoria branca. Inúmeras são as imagens dos tempos do apartheid, em que negros não podiam sequer beber água no mesmo bebedouro dos brancos.
No Brasil, inúmeros ex-presos políticos – pessoas que lutaram pela nossa democracia em tempos passados – estão hoje encharcados em escândalos de corrupção, sendo o mais ilustre caso o de José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil do governo Lula. Um senador da República chamado Cristovam Buarque, à época da cassação do ex-ministro, externou, com alguma razão, imensa tristeza com o caso, pois Dirceu trazia consigo a lembrança dos sonhos de sua geração.
Os condomínios verticais – símbolos do apartheideconômico – têm crescido no país aumentando as disparidades entre os dois lados do muro. Em Brasília, a tentativa é a de criar pequenas ilhas em meio ao caos. Pior ainda é o fato de que essas ilhas são, na maioria, erguidas em afronta às leis.
No nosso país, ter grana vai diferenciar um tratamento médico em algum nosocômio espantoso da rede pública ou o tratamento igualmente desrespeitoso, mas com alguma eficiência, na rede privada.
Na área da educação, as escolas privadas disponibilizam aulas em 3D, professores de reforço, aulas de cidadania, de natação, aulas intensivas para o vestibular. Já a criança e o adolescente do ensino público são coagidos a enfrentar aulas imensamente teóricas, com pouquíssimas atividades interdisciplinares, com a falta de estrutura, de incentivo, de compreensão.
Estivemos em um colégio público do Gama, cidade a 35 km de Brasília, com o ânimo de discutir toda a revolta popular levadas às ruas, mas os alunos mal tinham noção do que estava acontecendo, um ou outro professor havia falado algo a respeito.
Nosso apartheid é econômico, Madiba.
Estas mal traçadas linhas, Grande Mestre, não devem significar pessimismo, mas apenas uma crítica viva à nossa realidade. Esse momento de transição pelo qual estamos passando tem causado extremismos por todos os lados… do movimento LGBT, ruralista, religioso. Alguns justificáveis, outros abomináveis.
Mas não há motivo para pânico. Situações de interregno são caracterizadas por certa instabilidade. A oportunidade nasce da crise, mas não é simples apontá-la e persegui-la em meio a escuridão.
Faltaria espaço aqui para conversarmos sobre tudo o que chama por discussão, mas ficamos felizes com as linhas volvidas. Se você se for antes de ler esta, deixamos nossos sentimentos ao mundo. Os grandes líderes sempre se vão e, em certa medida, vamos ficando órfãos. Desmond Tutu, outro Nobel da Paz de seu país, encarregar-se-á de confortar a tristeza. Perderemos um grande humano, mas ficaremos com sua grande história.
Continuaremos a jornada. Afinal, ainda temos a chama e o tempo.
Por César Gandhi Barros Tavares e Guilherme
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