Conta o Antigo Testamento que o profeta Daniel foi jogado a uma cova cheia de leões pelo rei dos Medos, Dario, após ter contrariado um decreto religioso. Com outros personagens, uma situação em tudo similar a esse famoso trecho da Bíblia está em curso, neste momento, em Brasília. Troque-se o rei dos Medos pelo PMDB – e Daniel, naturalmente, pela presidente Dilma Rousseff. Esse é o quadro.
Comandados pelo presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Eliseu Padilha, o segundo maior partido do Congresso está em plena pressão sobre a presidente Dilma para conseguir mais espaço no governo. E jogando pesado para isso. Padilha criou até mesmo um questionário, que fez circular entre os deputados, para ter uma forte moeda de troca nas mãos. Como ninguém, ele sabe praticar um dos lemas informais do partido, segundo o qual ‘governo bom para o PMDB é governo fraco’.
Por escrito, os parlamentares estão informando suas insatisfações com o governo – e elas são tantas que o vice-presidente Michel Temer já está pronto para pedir uma conversa política formal com a presidente.
Durante o atual período de recesso parlamentar, Temer vai dizer que os tais “setores importantes” do PMDB defendem o rompimento imediato com o governo, com a transferência do apoio da legenda, a mais ramificada do País, em 2014, à candidatura do presidente do PSB, governador Eduardo Campos.
Está em curso, assim, uma aliança do partido com o PSB de Campos, o que isolaria Dilma e seu partido, o PT, na margem esquerda do espectro político. Isso reduziria drasticamente não apenas a base de apoio parlamentar no Congresso, mas também a extensão dos palanques estaduais para a campanha de reeleição da presidente.
Além disso, e não menos importante, o PMDB levaria para um presidenciável em alta – o Campos com 59% de ótimo e bom como governador de Pernambuco – minutos preciosos na propaganda eleitoral pelo rádio e a televisão. Pode fazer dele a imagem dominante na campanha eletrônica.
“Não existe aliança ad eternum”, disse ao jornalista Romulo Faro, editor de 247 em Salvador, o vice-líder do PMDB na Câmara, Lúcio Vieira Lima (BA). Vocalizando uma parte dos “setores importantes” do partido, como seu irmão Geddel Vieira Lima, potencial candidato ao governo baiano em 2014, Lucio tem um discurso completo sobre a pressão em curso.
“Fizemos aliança em 2010 para quatro anos de um governo que acaba em 2014 e estamos honrando nosso compromisso. Mas o momento é de olhar e ouvir o povo nas ruas. Ninguém imaginava que aconteceria uma guinada no rumo do Brasil. O povo está insatisfeito com o que está aí”, definiu o deputado baiano.
Enquanto Temer se prepara para a difícil conversa com Dilma, o comando partidário está à espreita. O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai procurando agir com discrição, mas a contrapartida é o líder do partido no Congresso, Eduardo Cunha, que prega abertamente a rebelião. Com ele, como se viu na extenuante votação da MP dos Portos, a presidente sabe que não pode contar.
O presidente da Câmara, Henrique Alves, igualmente ainda está calado sobre o tema, mas seu amigo Padilha, na pilotagem da Fundação Ulysses Guimarães, age para emparedar a presidente. De larga influência entre os deputados do partido, status alcançado há mais de uma década, quando coordenou, de caneta na mão, o apoio da legenda à votação da reeleição do presidente Fernando Henrique, Padilha é um craque nos bastidores. Na ocasião da aprovação da reeleição, ele era nada menos que o ministro dos Transportes do governo tucano.
Peemedebista de quatro costados, filiado à legenda desde 1966, Padilha está completando 19 anos como deputado federal do partido pelo Rio Grande do Sul. À frente da Fundação Ulysses Guimarães que, em tese, deve formular as políticas estratégicas do partido, ele, como se viu, já trabalhou com os tucanos e não teria problemas em atuar com os socialistas. A pressão que Padilha exerce agora com seus questionários é muito conveniente ao partido.
Todos no PMDB sabem que um rompimento puro e simples, de imediato, irá significar a perda de centenas de cargos na estrutura federal, a começar pelos cinco ministérios que ocupa. “O PMDB não vai trair a presidente Dilma”, tem dito o ex-governador Moreira Franco, por sua vez atual secretário da Aviação Civil com status de ministro. Ok, mas no médio prazo, a partir de 2014, a tempo de fazer uma nova aliança em oposição ao PT, essa traição poderá, sim, acontecer. Os movimentos de agora, capitaneados por Padilha, criam as condições para um discurso político relativamente aceitável para a mudança de lado na eleição do próximo ano.
Caciques sabidos da velha escola da política brasileira, os figurões do PMDB jogam de mão, numa atuação que pode parecer, à primeira vista, contraditória, mas que é convergente ao permanente projeto números 1, 2 e 3 da legenda: manter-se no poder.
Com a ameça de bandear-se para Campos, o PMDB já consegue da presidente o recuo em reduzir o número de ministérios e cortar cerca de 10 mil cargos de confiança na administração federal, muitos deles preenchidos por indicação do partido. No futuro, em 2014, a situação de Dilma na opinião pública dirá ao partido se convém manter-se ao lado dela. Até lá, os leões estarão, como aconteceu com Daniel, à sua volta.
Em tempo: o profeta descrito no Velho Testamento não foi comido pelas feras, mas libertado no dia seguinte da cova pelo rei Medos, o mesmo que lá o colocora, em razão de sua fé em Deus. A saída para escapar do cerco do PMDB, assim, pode ser dada a Dilma pelo próprio PMDB, que no momento certo a salvaria de si mesmo.
Do 247
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