Até quando o sigilo fiscal é aceitável em casos de sonegação? Vejamos um caso notável ocorrido recentemente na Alemanha porque pode ser útil para encontrar a melhor maneira de lidar com o escândalo da Globo.
O presidente do Bayern de Munique, Oli Hoeness, foi pilhado pelo governo alemão com uma conta secreta na Suíça calculada em 20 milhões de euros. Ele fugiu ao fisco alemão com essa conta.
Inicialmente, o que se cogitou entre os alemães foi resolver a questão através de um acordo sigiloso fiscal entre a Alemanha e a Suíça. O acordo permitiria a ele – e a outros sonegadores — acertar suas contas com o fisco sem temer um processo judicial e sob anonimato.
Transparência zero, portanto. Mas o acordo foi barrado no Parlamento alemão. E o caso se tornou público. Se o acordo fiscal tivesse sido aprovado, afirmou na ocasião a deputada social-democrata Dagmar Freitag, Hoeness teria mantido sua reputação como “instância moral”, uma vez que seu procedimento teria permanecido secreto.
“Mas alguém que ludibriou claramente o seu país não pode mais ser visto como um modelo”, disse ela. E ele era um aclamado modelo. Considere o que escreveu o site alemão DW ao tratar do assunto.
“Hoeness é ex-jogador da seleção alemã de futebol e, como presidente do Bayern de Munique, não é um dirigente esportivo qualquer. Ele é o rosto do clube mais poderoso e bem-sucedido da Alemanha.
Natural de Ulm, o empresário de 61 anos marcou o futebol alemão como ninguém. Ele transformou o Bayern de Munique num clube mundialmente conhecido e financeiramente robusto – a obra da sua vida, como ele mesmo diz.
Além disso, Hoeness é visto como alguém que diz o que pensa e uma pessoa socialmente engajada. Ele doou milhões de euros a instituições sociais e incentivou outras pessoas a fazerem o mesmo.
Hoeness ajudou até mesmo equipes concorrentes a superar gargalos financeiros, como o St. Pauli, o Borussia Dortmund e o Alemannia Aachen, através de jogos beneficentes. Também ajudou profissionais do futebol a enfrentar problemas pessoais, como Gerd Müller, que sofria de alcoolismo, e Sebastian Deisler, que sofria de depressão.
Em agosto de 2012, foi-lhe outorgada a medalha do estado da Baviera por seus méritos sociais. Ele era um assíduo convidado em palestras e talk shows. Sublinhando muitas vezes sua honestidade como homem de negócios, contribuiu assim para montar uma imagem de pessoa honrada. “Eu sei que pode parecer bobagem, mas pago todos os impostos”, afirmou em 2005 ao jornal Bild.
Há dois anos, ele declarou à revista de economia Brandeins: “Naturalmente, eu quero ter sucesso, mas não a qualquer preço. Quando se trata de dinheiro, às vezes é preciso estar satisfeito.”
Além disso, Hoeness exigiu vigorosamente do presidente da Fifa, Sepp Blatter, que combatesse a corrupção na organização.”
Este era Oliness, segundo a DW. Ele só escapou da prisão imediata ao pagar uma fiança de 5 milhões de euros. Em breve, será julgado. Dificilmente escapará da prisão: a lei alemã prevê prisão para sonegadores a partir de 1 milhão de euros, e a conta de Oliness na Suíça era vinte vezes maior.
Segundo a mídia alemã, ele pode pegar dez anos de prisão. A Alemanha – por seus políticos e por sua mídia – trouxe para as luzes um caso que poderia ficar na escuridão. No caso brasileiro, até aqui, apenas a mídia genuinamente independente – a nascida na internet – está tratando o caso como merece.
Os fastidiosos surtos de moralismo de colunistas da mídia tradicional ignoram, abjetamente, um caso desta gravidade — uma omissão que desde já entrou para a história da imprensa brasileira por expor espetacularmente os reais interesses das grandes empresas jornalísticas..
E os políticos estão absolutamente calados. E convenha: o caso alemão é migalha perto do da Globo: os valores são infinitamente menores. Não houve truque para transformar compra de direitos de transmissão de Copa em investimento no exterior. Não houve uma tentativa de fazer desaparecer o processo na Receita Federal. Não houve um juiz do STF como Gilmar Mendes para conceder habeas corpus para a funcionária da Receita acusada de tentar fazer sumir o processo.
E no entanto, a despeito de tudo isso, no Brasil há a escuridão, tão propícia à corrupção, quando a Alemanha jogou o detergente da luz num caso, como o brasileiro, de avassalador, torrencial, completo interesse público.
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