Armamento na mira do Ministério da Defesa é o mesmo utilizado pelas tropas do ditador da Síria, Bashar Assad, em conflito que já deixou mais de 70 mil vítimas
Por Daniel Mack* | Categoria(s): Artigos
Rosoboronexport: agência estatal responsável por toda exportação de armas russas, incluindo diversas vendas recentes para o ditador da Síria, Bashar Assad, algoz-mor de um conflito que já cobrou mais de 70 mil vítimas.
Brasil: país sul-americano, ‘potência emergente’ que tem obrigação constitucional de reger-se pela “prevalência dos direitos humanos” nas suas relações internacionais. Conta com relevante população de origem síria, entre tantas outras que perfazem nosso caldeirão multiétnico.
Dilma Rousseff: primeira presidenta da República, sentiu na pele o poder destrutivo de um regime repressor. Declamou, em abril de 2011, que “a defesa dos direitos humanos, desde sempre e mais ainda agora está no centro da preocupação de nossa política externa. Vamos promovê-la em todas as instâncias internacionais, sem concessão…”.
Qual a relação entre as partes? Deveria ser nenhuma, por óbvio. Ou melhor, algo como “a Presidente Dilma determinou que o Brasil não fará qualquer negócio com a Rosoboronexport”, não?
Pois bem, após decisão da presidenta e assinatura de documento de intenções em fevereiro, nas próximas semanas pode ser confirmada a compra pelo Brasil de sistemas de defesa aérea da Rosoboronexport. Seria um grave equívoco.
Realpolitik
Ingenuidade nossa, viva o realpolitik, nas questões de Defesa vale tudo? De maneira alguma. Não se trata de invalidar a decisão de fortalecer o sistema de defesa aérea, necessidade no mínimo plausível considerando aspectos estratégicos e militares, incluindo os grandes eventos esportivos que o Brasil acolherá.
Ingenuidade nossa, viva o realpolitik, nas questões de Defesa vale tudo? De maneira alguma. Não se trata de invalidar a decisão de fortalecer o sistema de defesa aérea, necessidade no mínimo plausível considerando aspectos estratégicos e militares, incluindo os grandes eventos esportivos que o Brasil acolherá.
Mas por que fortalecer financeiramente e politicamente o único governo que tem a chave da solução política do conflito sírio nas mãos, e não só se recusa a pressionar Assad pela sua saída, como fornece os instrumentos que potencializam sua fúria homicida?
E mais, como referendar uma política de exportação de armas que dentro em breve será considerada ilegal à luz do direito internacional? Assim que entrar em vigor (após 50 ratificações) o Tratado do Comércio de Armas (Arms Trade Treaty, em inglês), proibirá vendas para países que violem o direito internacional humanitário, como faz o regime sírio. Vendas aos rebeldes, que crescentemente cometem atrocidades, também serão vedadas.
Foi supostamente com o exato equipamento que o Brasil quer comprar (Pantsir-S1) que o regime sírio derrubou aeronave da força aérea da Turquia em junho de 2012. Um mês depois, o Congresso dos EUA passou legislação que proibiu o governo norte-americano de qualquer relação comercial com a “firma que vem armando o repressivo regime sírio”. Isso sim é realpolitik.
Boicote mundialEste mês, o Secretário de Estado John Kerry, protestou mais uma vez contra as continuadas vendas à Assad. Hillary Clinton já o havia feito antes, com maior veemência. Excelente seria se os EUA demonstrassem a mesma precaução ao pensar em exportar para outros regimes repressivos.
Atos meramente simbólicos? Talvez, e sozinhos não resolveriam o impasse. Mas se todos os países com certo poder, como o Brasil, tomassem todas as medidas pragmáticas possíveis, quem sabe o apoio russo ao regime de Assad não implodiria? Se a Rosoboronexport calcular que perde mais dinheiro do que ganha por armar a Síria, certamente reconsideraria suas exportações.
Outras alternativas seriam o Brasil advogar publicamente pelo envio do caso ao Tribunal Penal Internacional e impor sanções individuais a membros da cúpula do regime sírio. “Todas as instâncias internacionais” incluem só foros onde diplomatas podem gastar sua retórica sem tentar ações reais?
Mesmo que a transferência de tecnologia russa faça o Ministério da Defesa salivar, a compra só tem custo-benefício aceitável se ignorar no cálculo o custo político às pretensões de liderança internacional do Brasil. Sabemos, com a novela da compra dos caças para a FAB, que decisões políticas podem perfeitamente se sobrepor aos aspectos militares e econômicos na compra de armas. No largo espectro entre a retórica do “condenamos veementemente” e de uma intervenção militar para derrubar Assad, há muitas medidas possíveis para paulatinamente lograr mudanças na Síria. Em nome dos direitos humanos daquele povo, a presidenta Dilma não deveria se omitir de tentar as medidas políticas e comerciais ao seu dispor.
Ou o melhor é ficar olhando, falando, e não fazendo nada?
* Daniel Mack é coordenador internacional do Instituto Sou da Paz
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