Artefatos foram encontrados em duas ocasiões diferentes e seus agentes químicos poderiam se transformar em ácido, de acordo com especialista
Por Anali Dupré e Stefano Wrobleski |
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM) usou bombas de gás lacrimogêneo com prazo de validade vencido em ao menos duas operações ocorridas nesta semana na capital do Estado, o que, em determinadas circunstâncias, pode causar queimaduras graves na pele, olhos e mucosas. A denúncia partiu de moradores atingidos pela reintegração de posse de um terreno no bairro Parque Bristol, na Zona Sul da cidade, na manhã da última terça-feira (11) e também foi verificada pela reportagem no ato contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô na noite dessa quinta-feira (13) no centro de São Paulo.
Com o objetivo de dispersar manifestantes, as bombas de gás lacrimogêneo são armas menos letais que provocam irritação na pele, nos olhos e nas vias respiratórias. Quando são disparadas pelos policiais, deixam no chão suas cápsulas. Na recuperada pela reportagem consta que a fabricação aconteceu em dezembro de 2007 e o vencimento foi em dezembro de 2010. Há também uma informação de que oferece perigo se utilizado fora do prazo de validade. Os artefatos encontrados foram produzidos pela empresa Condor e são dos modelos GL-202 e GL-203/L. Em 2012, eles foram usados na repressão aos protestos pró-democracia no Bahrein e têm sido usados também na Turquia contra os manifestantes que se opõem ao governo Recep Tayyip Erdoğan. Os efeitos desse tipo de bomba de gás são amenizados com a inalação de vinagre colocado em panos, substância que serviu de pretexto para a PM deter diversos manifestantes nessa quinta-feira.
A assessoria de imprensa da PM informou, em nota, que a imagem “aparenta ser, em uma análise preliminar, de uma munição fulmígena (produz fumaça apenas)”. Questionada sobre o fato de os modelos apresentados serem de bombas de gás lacrimogêneo, a assessoria não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria.
Sem querer ser identificado, um militar do Exército especialista em armas disse à Repórter Brasil que o uso de bombas de gás lacrimogêneo vencidas pode ser perigoso tanto para os policiais quanto para os manifestantes: “O artefato pode explodir antes do tempo, nas mãos do policial, ou muito tempo depois”. Além disso, “em certas circunstâncias, os agentes químicos podem se transformar e virar até ácido clorídrico se entrarem em contato com o suor”, alertou. Isso porque as bombas são feitas com compostos clorados que, ao serem hidrolisados, resultam nesse ácido. A substância pode causar queimaduras graves na pele, olhos e mucosas.
Em nota, a Condor declarou que, mesmo vencidos, os produtos “em princípio não oferecem risco à saúde da população, desde que utilizados de forma adequada”. A empresa recomenda que, nesse caso, o material seja usado para treinamento de pessoal. Ela também informou que os prazos de validade foram estendidos em 2008 para cinco anos, em vez dos três inicialmente estipulados, “após rigorosos testes de segurança, envelhecimento, estabilidade, compatibilidade e eficácia”. Isso, no entanto, só prolongaria o prazo de validade das bombas verificadas pela Repórter Brasil para dezembro de 2012.
“A frase ‘Atenção: oferece perigo se utilizado após o prazo de validade’, constante do rótulo do produto, serve para alertar o usuário sobre uma eventual redução da eficácia da operação policial, podendo comprometer a incapacitação temporária das pessoas, objetivo desse tipo de operação”, disse ainda a empresa.
Os atosUm terreno com mais de 60 mil metros quadrados no bairro Parque Bristol, Zona Sul da capital paulista, era ocupado por 120 pessoas, de acordo com a PM, ou cerca de mil famílias, de acordo com os moradores. Ele foi desocupado pela PM na manhã da última terça-feira após um pedido de reintegração de posse, em uma ação que durou aproximadamente seis horas.
Já os protestos contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô em São Paulo chegaram ao quarto ato na noite de quinta. Milhares de manifestantes foram às ruas da região central da cidade exigir o retorno do valor da passagem para R$ 3. O aumento para R$ 3,20 foi anunciado no começo do mês pelo governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e pelo prefeito do município, Fernando Haddad (PT).
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