Entre os anos de 2007 e 2010, o Brasil viveu um período de razoável crescimento econômico. O país decolou, conforme a famosa capa da revista britânica The Economist, alavancando a inclusão, pela via do consumo, de centenas de milhares de pessoas. Com crédito farto, esses cidadãos tiveram acesso pela primeira vez a bens de consumo que vão de material de higiene a carro e casa própria.
Analistas se perguntaram sobre a identidade política dessas pessoas. De profissionais liberais a beneficiários do Bolsa Família, sua satisfação ajudou os governos de Lula e Dilma a alcançarem níveis de popularidade inéditos. Porém, as interpretações sobre a postura da “nova classe média” diante da política nunca foram consensuais: votariam “a cabresto” no governo federal? Mais escolarizados, votariam mais racionalmente? Cederiam a discursos despolitizantes?
Como se comportariam diante de uma crise econômica? É cedo e temerário fazer afirmações sobre um conjunto de protestos que escapou à direção de seus líderes iniciais e confunde políticos e analistas. Mas algum esforço racionalizante devemos empreender, assumindo os riscos inerentes.
As pessoas que adquiriram essa peculiar cidadania proporcionada pela integração ao mundo do consumo acabam de realizar sua primeira manifestação enquanto tal. Não à toa, no mesmo momento em que a inflação acelera, preços de tarifas públicas disparam e a ostentação dos luxos associados aos grandes eventos esportivos resplandece. Uma extraordinária quebra na expectativa criada durante anos de crescimento econômico e crédito fácil. No movimento de poucos pontos percentuais, a vida das pessoas piora rápido, ao mesmo tempo em que políticos e empresários realizam grandes negócios no rastro da Copa.
Os movimentos sociais que crescem nas grandes cidades (ciclistas, direitos das mulheres, gays etc.) ganharam nas ruas a companhia dessa massa, chamada de “nova classe média”, vinda das periferias das grandes cidades. E, quando a periferia entra em jogo, entram aqueles que estão vendo sua previsão do futuro piorar e que vivem a brutalidade policial e a omissão do poder público, de todos os partidos, no dia a dia. A rua não tem regimento interno. Mesmo as tradicionais lideranças de mobilizações de rua não sabem o que acontecerá a seguir. Tampouco mudanças pontuais no valor da passagem devem resolver a inquietação popular.
Por Marcus Rocha, Mestrando em Ciência Política da UFRGS
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