Desde 2002, uma frota adicional de 1,6 milhão de carros passou a circular na cidade de São Paulo, uma média de 13 mil automóveis a mais todo mês nas ruas. Considerando o total de veículos (incluindo ônibus, caminhões, motocicletas e outros) o acréscimo na frota em circulação, no mesmo período, ultrapassou 2,6 milhões de unidades, um incremento de 22 mil por mês.
Os investimentos na infraestrutura viária e no transporte coletivo foram insuficientes para atender à expressiva demanda por locomoção. Esse descompasso tornou inevitável a atual crise de mobilidade.
Periodicamente, analiso a situação do trânsito para avaliar o impacto econômico desse “custo São Paulo”. Seguramente, dado o peso da economia paulistana no PIB nacional, esse fator assume importância crescente no comprometimento da competitividade do país.
No relatório divulgado este mês, mostro que o caos no trânsito atinge valores espantosos. A lentidão de circulação implica perdas bilionárias de dois tipos: o tempo ocioso das pessoas no trânsito (custo de oportunidade) e os gastos pecuniários adicionais que causa. Considerando apenas os períodos críticos dos congestionamentos e o valor da hora de trabalho/lazer, o custo de oportunidade explodiu para R$ 30,2 bilhões em 2012. Em 2002, essa perda foi estimada em R$ 10,3 bilhões.
O segundo tipo se refere aos gastos monetários derivados da reduzida velocidade de circulação dos veículos comparativamente a uma hipótese de velocidade considerada ideal.
Contempla desembolsos referentes ao consumo adicional de combustível, o impacto dos poluentes na saúde da população e o aumento no custo do transporte de carga. As perdas nesses itens somaram R$ 10 bilhões em 2012. Em 2002, foram quase R$ 7 bilhões.
A crise de mobilidade em São Paulo custa por ano mais de R$ 40 bilhões, valor equivalente a 1% do PIB brasileiro e 7,5% do PIB paulistano.
A cidade de São Paulo é vítima de uma concepção urbanística inapropriada às necessidades de sua população. Segue um modelo composto por um núcleo rodeado por áreas densamente povoadas. Essa concepção espacial induz à construção de custosas vias arteriais de integração que, contraditoriamente, se transformaram nos principais focos de congestionamento.
Por outro lado, grande parcela do leito carroçável disponível permanece praticamente ociosa mesmo durante os horários de picos. Isso porque o modelo viário força a circulação, que deveria ser mais rápida, pelas artérias congestionadas. Conseguiu-se desmoralizar o conceito da via expressa.
É necessário rever o modelo viário para atenuar os impactos negativos dos congestionamentos, ao menos enquanto se aguarda a maturação dos investimentos de longo prazo em transporte coletivo de massa. É preciso abandonar a visão que privilegia os megaprojetos como construção de vistosas pontes, gigantescos viadutos, vias expressas e túneis que apenas movem os pontos de engarrafamentos para alguns metros adiante, quando não se transformam, eles mesmos, em novos focos de paralisação.
É urgente revascularizar o trânsito por meio de intervenções, em geral pequenas, capazes de criar vias alternativas de circulação em áreas de congestionamento. Por exemplo, com o mesmo custo dos dois túneis subaquáticos construídos sob o rio Pinheiros, e que adicionaram tão somente duas pistas em cada direção, seria possível a construção de cerca de 30 pontes cruzando os rios Pinheiros e Tietê em nível. Isso dobraria a capacidade de transposição dos rios e eliminaria grande parte dos focos de congestionamento.
Persistir na filosofia de mais das mesmas obras inúteis pode ser a escolha dos políticos obreiros e dos empreiteiros operosos, mas certamente não atende às necessidades dos paulistanos, quase todos à beira de um ataque de nervos.
Por Marco Cintra, doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas.
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