Confesso que os protestos me pegaram completamente de surpresa. Embora qualquer um que tenha lido minhas reclamações constantes acerca do rumo do país possa concluir que ando insatisfeito, jamais imaginei que esse sentimento fosse compartilhado e profundo o suficiente para gerar os movimentos dos últimos dias.
Da mesma forma, estaria mentindo se afirmasse entender o que ocorre. Ainda que meu instinto de economista aponte para a aceleração da inflação como um elemento que deve ter contribuído para os protestos, é forçoso reconhecer que eles parecem refletir temas bem mais amplos, possivelmente ligados à percepção de um distanciamento crescente entre a população e seus representantes, materializada, por exemplo, em políticas públicas que não atenderiam seus reais anseios.
De qualquer forma, não me acho suficientemente equipado para analisá-los e explicá-los. Onde talvez possa contribuir, correndo o risco inerente a todas as análises feitas no calor do momento, é na tentativa de entender as implicações desse fenômeno para a formulação de política, em particular na sua faceta macroeconômica. E, da forma como vejo o problema, as implicações não são nada boas.
São essencialmente duas as razões que apontam para essa conclusão. A primeira diz respeito à natureza da desaceleração econômica dos últimos anos, que, no meu entender, reflete problemas associados à capacidade limitada de crescimento do país, seja pelo esgotamento da mão de obra disponível, seja por conta de gargalos crescentemente severos em praticamente tudo associado à esgarçada infraestrutura.
Já o entendimento do governo tem sido distinto, haja vista sua insistência em políticas para estimular a demanda, em particular o consumo, como recentemente expresso nos incentivos para a aquisição de eletrodomésticos.
Muito embora esses tenham repetidamente se provado incapazes de fazer a economia acelerar de forma decisiva, a reação quase instintiva do governo em lançar mão deles a cada número ruim no campo da atividade econômica sugere que o diagnóstico oficial ainda aponta para a fraqueza da demanda como o motivo para o baixo crescimento.
Não por acaso, portanto, o resultado tem sido crescimento baixo com inflação alta, combinação profana que certamente colabora para a erosão da popularidade do governo. No entanto, políticas que poderiam corrigir esses desequilíbrios – notadamente a redução dos gastos públicos – e mais à frente recolocar o país na rota do crescimento sustentado implicariam custos em termos de atividade no curto prazo, em particular no período imediatamente anterior à eleição.
Isso nos traz à segunda razão. Se há algum objetivo do governo hoje, trata-se da manutenção do poder, seja pela reeleição da presidente, seja por meio do ainda remoto, mas possível, retorno do ex-presidente à linha de frente no ano que vem. Em qualquer um desses cenários, o apetite por medidas impopulares, ainda que necessárias, é naturalmente reduzido.
Nesse contexto, os protestos agudizam o problema. Para um governo já pouco convencido acerca de diagnósticos discordantes e com objetivos políticos que se sobrepõem à estabilidade, a pressão adicional vinda das ruas se torna um incentivo poderoso ao reforço de políticas que irão demandar mais do Tesouro do que é possível sem comprometer adicionalmente o já precário equilíbrio macroeconômico.
Obviamente não pretendo insinuar que a estabilidade é incompatível com democracia, mesmo porque exemplos dessa convivência não faltam, inclusive na América Latina, região que, há pouco, não se caracterizava nem por uma nem por outra.
Mas, na falta de instituições que protejam a estabilidade dos interesses políticos de curto prazo, turbulências políticas terminam por sacrificá-la no altar eleitoral. E nada me diz que desta vez será diferente.
Por Alexandre Schwartsman, economista, é doutor em economia, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e professor do Insper.
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