Depois de minha primeira noite de sono com mais de seis horas em uma semana, acho que vou conseguir escrever algo. Durante este tempo, devo ter rascunhado uns 4 ou 5 posts, sem conseguir terminá-los. A ansiedade e a rápida mudança de conjuntura inviabilizaram que conseguisse publicar algo.
Nesse meio tempo, muita gente boa me contemplou em seus textos. Um dos mais assertivos foi sem dúvida o doSakamoto, que traduziu bem o que senti na última quinta-feira.
De fato, o facebook está nas ruas. Mas não só. Esta rede social é o palco onde circulam as informações que mais tarde estarão nas ruas.Mas é importante lembrar, como lembrou PC Siqueira e Diego Quinteiro, quem formule por eles. (Veja o vídeo no final deste post).
Por isso galera, é importante entender o que vocês estão defendendo. Vi muita gente – que nunca saiu de casa na vida – protestando por coisas que não conseguem explicar. Prometo que em breve eu discuto como defender o fim da corrupção pode servir para proteger os corruptos. Agora, quero discutir a famigerada PEC 37.
Juro que 100% dos desconhecidos que abordei na rua também desconheciam o que era a PEC 37. Aliás, tinha gente que nem sabia o número dela. Amigos relataram ver pessoas – aos berros – bradarem contra a PEC 17. No máximo ouvia: ela proíbe o MP de investigar!
Apesar da votação da PEC ter sido retirada de pauta, acho que pegá-la com exemplo é bastante pedagógico. Não pelo seu conteúdo. Confesso que como advogado, tendo a defender a ideia (sim gente, a OAB e muitas outras entidades sérias são a favor dela). Ao mesmo tempo, não sei ao certo se esse seria o momento para mexer com isso.
De qualquer forma, como disse, o que me deixou perplexo é como as pessoas defendem algo sem fazer ideia do que estão falando. E em situações onde 1 milhão de pessoas protestam contra o que não sabem, há um risco muito sério de servirem de massa de manobra. Hoje é a PEC, amanhã os partidos. Semana que vem, o Estado.
Para evitar que você siga confuso, vou te dar um pequeno resumo sobre o assunto. Aconselho ainda que você procure se informar melhor, no site do Ministério Público (MP), OAB etc.
E tente não sair gritando sobre o que não sabe. Muita gente que apoiou governos ditatoriais achava que estava ajudando o país.
Bom, a história é a seguinte:
A Constituição de 1988 (CF) definiu no artigo 129 quais são as funções do MP. Vê só:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Em outro artigo, o 144, a mesma Constituição mostra quais são as atribuições das polícias brasileiras. Esse é maior, mas por favor, leiam pelo menos os parágrafos (§)1º e o 4º:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Conseguem perceber que na Constituição está bem claro quem faz investigação de um crime? Não é o MP, são as polícias. Isso não significa que o MP não possa investigar. Ele só pode investigar no que está listado no artigo 129. Ainda, sempre que for noticiado de um crime, pode – e deve – informar a polícia, para que ela investigue. Ele deve, inclusive, fazer o que chamamos de controle externo da atividade policial, obrigando a polícia a investigar, por exemplo.
Tudo bem. E como é que o MP começou a investigar crimes comuns? Por que uma coisa é fato: uma instituição não pode investigar sem autorização expressa da Constituição.
É aí que vem o pulo do gato.
O Conselho Nacional do MP, em 2006, editou uma resolução (Resolução 13 de 2006) garantindo o que ele já fazia, sem autorização da CF, mas baseados em duas leis: a Lei Complementar 75/93 e a Lei 8.625/93. Eles, sozinhos, sem autorização constitucional, se deram o direito de proceder investigações criminais.
Aqui temos dois problemas: o descumprimento da Constituição e a auto-autorização para fazer uma coisa muito séria – investigar criminalmente as pessoas. Aliás, essa discussão é muito antiga, na verdade. A resolução é de 2006, mas o MP já investiga muito antes disso.
Pois bem. É aqui que chegamos à PEC 37. Um setor da sociedade quer resolver esta situação. O texto original inclui no artigo 144 – que fala o que as polícias podem fazer (e não no 129, do MP) – um último parágrafo, que garante o que a CF já diz. O texto original (já tá melhor, inclusive) é assim:
“§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”.
Entenderam agora? Não é que estão retirando o poder de investigação do MP. Primeiro que para crimes comuns, ele nunca teve. A Constituição só deu esse direito às polícias. Em segundo lugar, a PEC 37 nem mexe nos poderes do MP. Ele garante as funções das polícias!
Isso significa que você tem que apoiá-la? Não necessariamente! O que isso significa é que o assunto é mais complexo do que parece e divide os maiores juristas do país. Ainda, independentemente de deixarmos ou não o MP fazer as funções da polícia civil, somos nós que temos que decidir isso, não eles! Se o povo quiser, vamos emendar a Constituição para deixar isso claro e não liberá-los para decidirem sozinhos.
Mas mais do que isso, essa falta de informação mostra que se você sai por aí defendendo o que não sabe, está servindo ao propósito dos outros! É o que chamamos na política de massa de manobra. Por isso, se informe antes de defender uma causa. Assim você não corre o risco de ser papagaio do Jabor.
http://www.rodrigosalgado.com/lek-lelek-e-a-pec-37/
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