A movimentação contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em São Paulo serviu para tirar a juventude brasileira – e outros não tão jovens– da letargia em que se encontravam há mais de 20 anos. As últimas manifestações de massa que tinham ocorrido em 1992, com o Movimento pela Ética na Política, nascido a partir do Movimento Opção Brasil, que resultaram no pedido de impeachment e na saída de Fernando Collor da Presidência da República.
Grande parte dos que agora estiveram nas diversas cidades brasileiras protestando contra o aumento das passagens de ônibus e depois contra a corrupção, o mau uso de recursos públicos e outras mazelas que nos infelicitam, desconheciam esses movimentos anteriores, a não ser por eventuais leituras ou comentários dos mais velhos.
Nos últimos anos parecia que estávamos num país onde os governantes, políticos, membros de órgãos públicos e megaempresários nos levavam a todos para dias melhores, sem que a população precisasse se manifestar, a não ser em defesa de direitos para os homossexuais ou de religiões pentecostais.
Fora isso, os jovens pareciam preocupados apenas em escrever seus relatos na rede social ou se dedicar à ginástica, esportes e baladas.
E os mais velhos, em aproveitar oportunidades de enriquecimento – de forma lícita e, em alguns casos, nem tanto.
Aos tempos da ditadura militar houve várias mobilizações em busca de um país democrático e mais justo. Com alguns, inclusive, equivocados, tentando obter pelas armas buscar o “paraíso socialista”.
Depois, após a era Collor, as manifestações que ocorreram tinham, em geral, cunho partidário eleitoral, mesmo usando temas mais abrangentes. Nos últimos dez anos tudo parou.
Parecia que havíamos chegado ao país dos sonho. É verdade que ocorreram algumas tímidas manifestações contra os mensaleiros, contra os desmandos de Sarney e companhia no Senado. E contra as eleições dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que certamente não teriam condições de ocupar esses cargos em um país onde houvesse pelo menos alguma ética na política.
Mas esta não é a realidade, como se vê agora, de modo difuso, nas manifestações que se espalharam com rapidez pelo país, mobilizando milhares de pessoas e repercutindo pelo
mundo, sem que as autoridades soubessem como lidar com as questões levantadas, a não ser por meio da repressão, em alguns casos violenta.Temos de continuar sonhando e lutando para construir um Brasil que ofereça acesso à educação de qualidade por pelo menos 12 anos. Um país onde os políticos ajam efetivamente em benefício da sociedade e esta tenha controle sobre os mesmos, por mecanismos de eleição melhores que os atuais, transparência e recall. Um Brasil que tenha o poder público e sua tributação descentralizados e com menor custo para os cidadãos, como preconizava o saudoso governador Franco Montoro: onde tudo que puder ser feito e decidido no município não seja feito pelo Estado ou pelo governo federal e tudo que puder ser feito pelo estado não seja feito pelo governo federal.
Queremos um país com transparência nos gastos públicos. Que na área econômica tenha contas de governos, balança comercial e de turismo equilibradas, facilite e estimule o empreendedorismo com menos burocracia e tributos. Podemos sonhar e devemos lutar por um Brasil com menos leis, mas leis claras, confiáveis e respeitadas, justiça eficaz e com decisões consistentes e rápidas, e onde não haja mais cidadãos de primeira e segunda classe na justiça e aposentadoria.
E que todos tenham segurança na vida diária. Queremos m Brasil que privilegie o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida, onde todos disponham de água encanada e esgoto tratado, rios, lagos, área marinha, florestas e outros ecossistemas preservados e recuperados. Um país com infraestrutura de qualidade nas áreas de logística, energia, telecomunicações e sistemas de mobilidade urbana eficientes e a custos acessíveis.
Vamos trabalhar juntos, independente de posições partidárias, para construir um Brasil com sistemas de saúde que atendam às necessidades das diversas faixas de renda, onde a desigualdade esteja dentro de parâmetros compatíveis com um país civilizado.
E no qual a cidadania seja um valor efetivo, tornando-nos menos dependentes das definições do governo sobre o que podemos ou não fazer e decidir. E onde todos possam participar das decisões por meio de plebiscitos e outras formas de manifestação, incluindo passeatas de protesto, sem uso de violência.
O País que queremos, socialmente justo, economicamente forte, ambientalmente sustentável, politicamente democrático de verdade e eticamente respeitável, é possível, se for privilegiado o bem estar de todos seus habitantes e não apenas dos ocupantes de cargos públicos. Parafraseando o que dizia o poeta: “A luta vale a pena quando a alma não é pequena”.
Mario Ernesto Humberg, consultor de comunicação, ética empresarial e gestão de crises.
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