PEC é aprovada por unanimidade na CCJ do Senado graças a acordo que prevê criação de grupo misto no Congresso para debater conceito. Manobra ameaça combate à prática
Por Christiane Peres
Brasília (DF) - Com uma sala repleta de trabalhadores rurais, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou por unanimidade, nesta quinta-feira (27), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57-A/1999, a conhecida PEC do Trabalho Escravo, que há 14 anos tramita no Congresso. Seu texto dá nova redação ao artigo 243 da Constituição Federal e prevê a expropriação de terras onde for flagrado trabalho análogo à escravidão e sua destinação para reforma agrária ou uso social urbano, sem indenização do proprietário.
Mas, para que o relatório do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) fosse aprovado nesta manhã, o presidente da CCJ, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), propôs um acordo que causou preocupação nos defensores da proposta: uma comissão especial formada por deputados e senadores debaterá a conceituação de trabalho escravo e o processo de expropriação. O grupo deve ser criado até a próxima semana e entre 30 e 60 dias deverá apresentar um parecer sobre a regulamentação para que seja votada em plenário, juntamente com a PEC. Segundo Vital do Rêgo, a votação da proposta deve acontecer no começo do segundo semestre, logo após o retorno do recesso parlamentar.
Sessão da CCJ que aprovou a PEC do Trabalho Escravo (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado) |
Um dos reticentes com o acordo é o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP). De acordo com ele, no processo de regulamentação do trabalho escravo não se pode cair no que chamou de “armadilha”: “A caracterização o trabalho escravo não é a mesma do século 19. Não implica mais na velha caracterização da senzala, do açoite, da corrente. O trabalho escravo do século 20 é mais do que isso, é a condição degradante do trabalho, a privação da liberdade. Não podemos aceitar o retrocesso desse conceito. O Brasil que está vindo das ruas é um Brasil mais moderno, que não tem espaço para isso”, disse, em referência às manifestações que tomaram o país nas últimas semanas.
O acordo foi uma forma de avançar com a proposta no Senado e tentar impedir possíveis alterações no texto na futura votação. Para Nunes, essas medidas são necessárias para diminuir a resistência dos parlamentares que afirmam que sem regulamentação a PEC vai permitir expropriações arbitrárias, como defendeu o senador Blairo Maggi (PR-MT), integrante da bancada ruralista, durante a sessão. Caso haja mudanças, a proposta retorna à Câmara dos Deputados, onde enfrentou grande resistência da bancada ruralista e só foi aprovada depois de 11 anos de tramitação. “Essa PEC não pode ser aplicada automaticamente. Então precisamos trabalhar concomitantemente essas regulamentações, pois a lei precisa ser clara sobre o que é trabalho escravo para efeito de aplicação da PEC e para diminuirmos as resistências”, explica o relator da proposta.
Descaracterização
A tentativa de alterar a definição do crime não é nova. Em maio do ano passado, na aprovação da então PEC 438 na Câmara – nome da PEC do Trabalho Escravo naquela Casa –, os ruralistas fizeram a mesma proposta. A matéria, porém, foi aprovada com a promessa de um acordo igual ao estipulado na votação de hoje na CCJ. No entanto, a comissão da Câmara nunca saiu do papel. Luiz Antonio Machado, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diz que o interesse em debater o assunto é legítimo, mas alerta para o perigo que isso pode significar. “Quem acompanha o debate do trabalho escravo sabe que seria um retrocesso. Os ruralistas reclamam do conceito, da ação fiscal exagerada, mas temos confiança nas estruturas brasileiras para julgar a ‘degradância’ do trabalho”, diz.
A tentativa de alterar a definição do crime não é nova. Em maio do ano passado, na aprovação da então PEC 438 na Câmara – nome da PEC do Trabalho Escravo naquela Casa –, os ruralistas fizeram a mesma proposta. A matéria, porém, foi aprovada com a promessa de um acordo igual ao estipulado na votação de hoje na CCJ. No entanto, a comissão da Câmara nunca saiu do papel. Luiz Antonio Machado, coordenador do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), diz que o interesse em debater o assunto é legítimo, mas alerta para o perigo que isso pode significar. “Quem acompanha o debate do trabalho escravo sabe que seria um retrocesso. Os ruralistas reclamam do conceito, da ação fiscal exagerada, mas temos confiança nas estruturas brasileiras para julgar a ‘degradância’ do trabalho”, diz.
Na próxima terça-feira (2), a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) pretende articular uma reunião entre parlamentares e especialistas no assunto para mostrar que a conceituação de trabalho escravo no Brasil é sólida. “É um conceito referenciado pela OIT como um dos mais avançados”, ressalta José Guerra, coordenador geral da Conatrae.
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