sexta-feira, 29 de março de 2013

A nova lei dos trabalhadores domésticos tenta salvá-los de séculos de humilhações


Por Ralphe Manzoni Jr. Texto originalmente publicado na revista Isto É Dinheiro
Assinada em 1888 pela princesa Isabel, a Lei Áurea extinguiu a escravidão no Brasil. Um projeto aprovado pelo Senado Federal, na semana passada, tem força semelhante à da libertação dos negros há quase 125 anos. A PEC das Domésticas, como tem sido chamada a nova legislação, corrige uma injustiça com mais de seis milhões de empregadas espalhadas pelos lares brasileiros – da classe média remediada ao pessoal de alta renda. Até agora, elas eram tratadas como cidadãs de segunda categoria. Não tinham direito ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) nem remuneração por horas extras, ao contrário da maioria dos trabalhadores brasileiros.
Essa desigualdade absurda e humilhante acabou. Nada mais justo. Exclamação. Tão logo a PEC das Do­­mésticas foi aprovada (e comemorada por deputadas federais e pela presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Maria), o choro dos descontentes começou a ser ouvido no Salão Verde do Senado Federal. Alegou-se que os novos direitos podem significar a demissão de mais de 800 mil trabalhadoras e que, atualmente, 60% das domésticas trabalham em regime de informalidade – o que deve aumentar com a nova legislação. Ser contra os direitos conquistados pelas empregadas domésticas desafia qualquer lógica. 
 Mas é preciso admitir, trata-se de um custo que será absorvido – e sentido no bolso – majoritariamente pela classe média. Em especial, pelas famílias em que o casal trabalha e precisa do apoio de uma empregada para tomar conta da casa, dos filhos ou de ambos. A nova legislação, no entanto, traz à tona um debate colateral, talvez não previsto, e muito menos desejável, pelos políticos que apoiaram a PEC das Domésticas: a carência de creches. A questão não é menos importante: se não puderem arcar com os novos custos, haverá creches suficientes e de boa qualidade para que pais e mães das famílias de classe média deixem seus filhos enquanto trabalham? 
 O problema não é exclusivo das famílias de classe média. A ausência de creches é um problema crônico que afeta também, e principalmente, as domésticas com filhos. Em Paraisópolis, uma das maiores favelas da capital paulista, por exemplo, cerca de 1,2 mil crianças estão matriculadas nas cinco creches públicas da comunidade. Levantamento da Associação de Moradores, porém, indica que seria necessário o quíntuplo de vagas para atender à demanda local. Em São Paulo, apenas 26,8% das crianças de zero a três anos estão matriculadas em creches. O déficit ultrapassa 100 mil vagas, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação. 
 A situação é ainda mais dramática quando se pensa em termos de Brasil. Estima-se que faltam 10 milhões de vagas nessa faixa etária. Não bastasse isso, as que existem costumam fechar em horários inapropriados, não raro às 17 horas. O que cria um segundo problema para pais e mães com jornadas cada vez mais longas. Na Suécia, por exemplo, são comuns as creches que funcionam 24 horas por dia, inclusive nos fins de semana. O objetivo é atender a pais que trabalham em turnos não convencionais. Ao corrigir uma distorção indesculpável, legisladores e políticos têm o desafio de fazer com que ela seja cumprida integralmente – por patrões e empregadas.

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