Por Aramis Ribeiro Costa, Presidente da Academia de Letras da Bahia
Ninguém seria tolo de negar a imensa e brutal violência que existe neste País, em particular nas grandes capitais. Ela aí está, dura e diariamente experimentada pelos cidadãos em todo o território nacional. Além disso, é escancarada por todos os meios de comunicação. Mas a violência brasileira tem como vertentes as gravíssimas questões sociais, cuja base é a própria falta de educação.
Não temos a cultura da violência, muito pelo contrário. Já em 1871, quando foi aprovada a Lei do Ventre Livre e uma chuva de rosas desabou sobre a Assembleia, foi o próprio ministro dos Estados Unidos no Rio de Janeiro quem, após colher algumas dessas rosas, disse: “Vou mandar estas flores para meu país, para mostrar como aqui se fez uma lei que lá custou tanto sangue”. A Guerra de Secessão havia custado ao povo norte-americano seiscentas mil vidas.
Apesar da assustadora violência que nos constrange diante do mundo, somos um povo pacífico, que cede à cultura da violência por contaminação, por influência de um país que exporta violência de todas as formas para o mundo, e pelo qual o povo brasileiro tem uma admiração sem jeito e sem remédio. A nossa índole é afetuosa e festiva. O futebol que o nosso povo ama não é aquele que agarra uma bola com as mãos e sai dando trancos e cabeçadas, a derrubar os jogadores do time adversário.
O que o nosso povo ama é o futebol arte, aquele que rola suavemente a bola nos pés ou a arremessa lindamente de cabeça, decidindo a partida nos dribles e na técnica. Gostamos de praia, de festa de largo, de festivais de música, de desfiles de escolas de samba, do Carnaval da Bahia e do Recife, de grandes Réveillons, festas de grande alegria que põem multidões nas ruas sem causar nenhuma catástrofe. Então, apesar da inaceitável violência de todos os dias, que enche os noticiários e nos envergonha diante do mundo, não somos um povo com a cultura da violência.
Mas não é assim nos Estados Unidos. Lá, a violência decorre de uma cultura antiga e arraigada. Vem da formação do país, da conquista do território, quando os colonos, ao partirem para o oeste, tiveram de enfrentar e matar índios e bandidos. Nunca deixaram de ser cowboys, os norte-americanos, um povo cuja nação jamais teve um longo espaço de tempo sem algum tipo de guerra.
Seus heróis são os que andam armados e matam. Seu cinema de maior sucesso, depois do longo tempo do faroeste, que matava de um em um com revólver, é o que mata milhares, milhões num único filme. Nos games faz mais ponto quem mais mata ou quem mais destrói. O alvo é muitas vezes a figura humana. É um país onde se pode ir ali adiante comprar uma metralhadora, e nada será exigido em troca, a não ser, evidentemente, o pagamento da arma.
Portanto, é muito natural que, de vez em quando, algum jovem, à semelhança dos heróis do seu povo, se vítima de um desequilíbrio, pegue uma dessas armas na casa paterna e vá a uma escola matar vinte, trinta ou quarenta crianças. Então o presidente vai à televisão e chora, mas a desgraça já está feita, e as lágrimas dele não ressuscitam as crianças, como não ressuscitam nem recuperam os milhares de mortos e mutilados nas guerras que os motivos políticos e o interesse da indústria bélica não deixam de inventar.
O mais espantoso, entretanto, é que a solução que surge não é desarmar, recolher as mais de duas centenas de milhões de armas espalhados pelo país, dificultar portes de armas, regulamentar de forma rígida o comércio. Pelo contrário. É armar o povo ainda mais. Não são as escolas que estão sendo atacadas? É muito simples: armam os professores, ensinam a usar as armas, fazem com que cada cidadão ande armado e saiba atirar. Dessa forma, incrivelmente, a solução passa a ser fabricar, vender, comprar e usar mais armas. Ou seja: a volta ao faroeste, onde valia mais quem sacava mais rápido e tinha a melhor mira. Infelizmente, embora não desejemos isso de maneira nenhuma, não causará nenhum espanto ao mundo um novo ataque a alguma escola, daqui a algum tempo, e depois mais outro e outro.
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