Representante do grupo Restoque, que é dono das marcas de luxo, culpa fornecedores por flagrante de escravidão. Para fiscalização, não há dúvidas da responsabilidade da empresa
Por Guilherme Zocchio
São Paulo (SP) - Livinston Bauermeister, diretor da Restoque, grupo proprietário das marcas Le lis Blanc e Bourgeis Bohême (Bo.Bô), negou em sessão nesta tarde na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), que a empresa tenha se aproveitado de trabalho escravo. Ele foi convocado pela Comissão de Direitos Humanos da casa a dar explicações sobre o resgate realizado em junho de 28 pessoas em condições análogas às de escravos produzindo peças das duas grifes.
Os costureiros, todos bolivianos, viviam em condições degradantes, estavam sujeitos a jornadas de trabalho exaustivas e servidão por dívida. Segundo fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que realizaram a operação, além de submetidos à escravidão, todos foram vítimas de tráfico internacional de pessoas. Entre os resgatados estava uma garota de 16 anos.
O representante da Restoque minimizou a responsabilidade da empresa destacando que as oficinas nas quais foram flagradas as irregularidades eram “quarteirizadas” – vendiam a produção para intermediárias, que, por sua vez, repassavam ao grupo. “A Restoque jamais se beneficiou deste tipo de exploração. Exigimos de nossos fornecedores que cumpram a legislação trabalhista”, declarou o diretor da Restoque durante a audiência. “Dois de nossos fornecedores romperam nosso contrato de trabalho sem o nosso conhecimento. Soubemos do fato a partir de notificação do Ministério do Trabalho”, completou.
Apesar da negativa, segundo os agentes do MTE, não há dúvidas sobre o papel da Restoque na exploração de escravidão.“A ação decorreu de um acúmulo de provas e evidências recolhidas por uma auditoria do MTE que levaram à necessidade de investigação sobre a cadeia produtiva da Restoque”, afirmou o auditor fiscal Luís Alexandre Faria, presente na audiência pública.
Não só foi caracterizada terceirização da atividade fim, o que por si só já configura a responsabilidade do grupo, como também nesse caso ficou evidente a ligação direta da empresa com a organização da linha de produção, de acordo com a fiscalização. “Infelizmente a opção do setor têxtil no Estado de São Paulo é a de utilizar de trabalhadores em situação vulnerável, imigrantes, sem lhes garantir seus direitos mínimos”, comentou o fiscal.
Cadeias produtivas
“Entendemos que existe responsabilidade porque há um controle de qualidade sobre as peças produzidas, mas uma cegueira deliberada sobre as condições de trabalho presentes na cadeia de produção da empresa”, reforçou o integrante do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Tiago Muniz Cavalcanti. Conforme constatou a fiscalização, toda cadeia produtiva estava baseada em encomendas da Restoque. Os agentes do MTE estimam que 90% das encomendas das intermediárias pertenciam às grifes e que 100% da produção das oficinas era de peças da marca.
“Entendemos que existe responsabilidade porque há um controle de qualidade sobre as peças produzidas, mas uma cegueira deliberada sobre as condições de trabalho presentes na cadeia de produção da empresa”, reforçou o integrante do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Tiago Muniz Cavalcanti. Conforme constatou a fiscalização, toda cadeia produtiva estava baseada em encomendas da Restoque. Os agentes do MTE estimam que 90% das encomendas das intermediárias pertenciam às grifes e que 100% da produção das oficinas era de peças da marca.
“Todo mundo sabe que trabalho escravo está disseminado na cadeia produtiva de grandes grifes. É inacreditável que uma empresa desse porte não tenha o monitoramento efetivo de sua cadeia produtiva”, contestou o deputado Carlos Bezerra Jr (PSDB). Para o parlamentar, responsável por convocar os representantes da Restoque a prestar esclarecimentos perante o Legislativo paulista, o discurso do empresário é muito semelhante à justificativa de todas as outras empresas do setor têxtil que foram responsabilizadas por trabalho escravo.
“Numa ponta há lucros exorbitantes, e na outra ponta há trabalhadores em situações aviltantes”, ilustrou Bezerra, em referência ao contraste do lucro das empresas com a exploração de trabalhadores.
“A Restoque é uma empresa responsável pela venda de roupas no varejo. Compramos roupas de nossos fornecedores para revendê-las”, insistiu Livingston Bauer, em resposta ao parlamentar paulista. De acordo com o argumento do empresário, quem no fim teria se beneficiado do uso de mão de obra escrava, pela organização da cadeia produtiva, seriam os fornecedores da Restoque – e não a própria companhia. O diretor disse que a empresa sempre paga a mesma quantia a suas contratadas, um valor entre R$30,00 e R$50,00, que varia conforme o tipo de peça a ser comercializada. O preço final de algumas das roupas vendidas pelas marcas Le Lis Blanc e Bô.Bô ultrapassa R$2mil.
“Vou levantar a possibilidade de nunca mais fazer esse tipo de audiência, para não ter que fazer papel de bobo aqui. A parte [o diretor da Restoque] não diz absolutamente nada”, criticou o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP). Para o parlamentar, o discurso do representante da empresa foi evasivo e não trouxe propostas para lidar com os casos recorrentes de trabalhadores reduzidos à escravidão no Estado de São Paulo. “Temos 500 anos de escravidão, a exploração permanece e ninguém nunca sabe de nada”, acrescentou.
Esta matéria é de exclusividade da Repórter Brasil http://reporterbrasil.org.br/2013/08/diretor-da-le-lis-blanc-e-bo-bo-nega-explorar-escravos/
Nenhum comentário:
Postar um comentário