sábado, 31 de agosto de 2013

Acusado diz que fazendeiro mandou matar auditores

Empresário apontado pelo MPF como intermediador dos assassinatos nega envolvimento e afirma ter ouvido Norberto Mânica dar a ordem de execução
Por Stefano Wrobleski, enviado especial a Belo Horizonte 


O empresário Hugo Alves Pimenta, acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter intermediado o acordo com os executores da Chacina de Unaí, afirmou ter escutado o fazendeiro Norberto Mânica, apontado pelas investigações como um dos mandantes do crime, dar a ordem para os assassinatos. Ele foi ouvido na condição de informante durante o julgamento que começou terça-feira (27) em Belo Horizonte (MG). Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais do trabalho Nelson José da Silva, João Batista Lages e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram assassinados em Unaí, município do noroeste mineiro, enquanto realizavam uma fiscalização trabalhista.
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Nesta quarta-feira (28), passaram pelo tribunal, além de Pimenta, 12 pessoas alistadas pela acusação, conduzida pelo MPF. Já os advogados dos três réus arrolou quatro testemunhas, todas para reforçar o álibi defendido pelo representante de Rogério Alan Rocha Rios. Ele, William Gomes de Miranda e Erinaldo de Vasconcelos Silva são acusados de terem executado os quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). As 12 testemunhas de acusação confirmaram os detalhes da investigação efetuada pelo MPF. A previsão é que os reús fossem ouvidos nesta quinta-feira (29).
Auditores fiscais do trabalho acompanham julgamento da Chacina de Unaí e pedem justiça em ato (Fotos: Stefano Wrobleski/Repórter Brasil)
Auditores fiscais do trabalho acompanham julgamento da Chacina de Unaí e pedem justiça em ato (Fotos: Stefano Wrobleski/Repórter Brasil)
Em seu depoimento, Pimenta negou participação no crime, mas apontou a responsabilidade de Mânica e José Alberto de Castro – que também é acusado de ter intermediado o crime e com quem Hugo trabalhava. O empresário afirmou ter ouvido Norberto e José conversando com Francisco Élder Pinheiro por telefone logo após serem informados de que o auditor Nelson estava acompanhado de outros três funcionários do MTE: “Pode mandar ‘torar’ [matar] todo mundo”, teria dito Norberto. Pinheiro é apontado como o contratante dos réus. Os procuradores também questionaram Hugo sobre a participação de Antério Mânica – irmão de Norberto, também acusado de ser o mandante da chacina –, mas ele se recusou a responder qualquer pergunta: “Não quero falar do Antério hoje, não”.
Demonstrando nervosismo, Pimenta respondeu somente às perguntas do MPF, com quem firmou, em 2007, acordo de delação premiada para ser libertado da prisão provisória que cumpria – caso seja condenado, poderá ter a redução de dois terços da pena. Segundo ele, foi somente atrás das grades que conheceu os réus Erinaldo, Rogério e o falecido Francisco Pinheiro, acusado de ter contratado os executores. Lá, os três teriam confessado a ele participação na chacina. Hugo também contou que, enquanto estava detido, Norberto teria arquitetado um plano para ficar impune: pagaria R$ 300 mil para Erinaldo assumir à Justiça que teria cometido latrocínio e outros R$ 200 mil a Rogério, mas Hugo não sabia para que esse dinheiro serviria. Questionado pelo MPF se algum deles teria dito se havia sofrido tortura, humilhação ou pressão de algum tipo para confessar o crime, Hugo não quis responder.
RéusDos três réus em julgamento, somente Erinaldo admite participação no crime. Em 2004, ele depôs à polícia assumindo que participou do assassinato dos funcionários do MTE e revelando a existência de mandantes. No entanto, meses depois afirmou à Justiça que havia cometido latrocínio (roubo seguido de morte). Seus advogados preferiram manter segredo sobre qual será a linha de defesa durante o interrogatório dos acusados.
Infográfico com as relações entre os acusados da Chacina de Unaí com título (Por Stefano Wrobleski)
A humilhação é um dos principais argumentos da defesa de Rogério para desqualificar o inquérito policial que deu origem ao processo. Seu advogado, Sérgio Moutinho, sustenta que Rogério e os demais réus não tiveram direito a água quando pediram para beber, tese reforçada pelo fato de os três terem ficado algemados com as mãos atrás das costas. Ele argumenta ainda que seu cliente não teria sido informado dos seus direitos constitucionais de permanecer calado pelo policial responsável pelo depoimento e que nenhum dos registros em vídeo dos depoimentos podem comprovar o respeito a esse direito. Foi à polícia que Rogério confessou que executou, a mando, os funcionários do MTE.
As quatro testemunhas arroladas pela defesa foram chamadas para depor em favor de Rogério. Eram seu irmão, Paulo Rodolfo Rocha Rios, sua ex-namorada, Rosedalva Gonçalves, o amigo de infância Ademir de Souza Mota e o colega de trabalho Jorge das Neves Melo. Os três primeiros afirmaram que estavam em Salvador (BA) com Rogério, no churrasco de aniversário do seu pai, dois dias antes do crime de Unaí. E todas elas disseram ter estado com ele na capital baiana em momentos diferentes entre os dias 25 e 29 de janeiro de 2004 – a chacina ocorreu no dia 28. Os procuradores do MPF, no entanto, não acreditam na história. A pedido deles, Rosedalva e Ademir respondem na Justiça pelo crime de falso testemunho desde 2012, quando foram alistadas ao processo. O órgão acredita que as quatro testemunhas tenham combinado o depoimento e mentido sobre os fatos: “O churrasco deve mesmo ter acontecido, mas Rogério certamente não estava presente”, diz o procurador Vladimir Aras.
William, acusado de ser um dos executores que não chegou a tempo por conta de um pneu furado de seu carro, é defendido pela Defensoria Pública da União. Pedro Alves Dimas Júnior, um de seus advogados, disse à Repórter Brasil que vai alegar ausência de participação efetiva e relevante do réu, já que, segundo ele, William não teria chegado a atuar para a execução. A alegação poderia atenuar possíveis penas.
‘Aquecimento’
O julgamento dos três acusados de terem executado os funcionários do MTE é considerado pelas partes uma preparação para o júri popular que colocará os empresários Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro, o fazendeiro Norberto Mânica e Humberto Ribeiro dos Santos no banco dos réus a partir de 17 de setembro. Seus advogados têm acompanhado todo o julgamento.
Silvio Gomes, advogado de Humberto Ribeiro dos Santos, já informou que irá pedir a prescrição de todos os crimes de seu cliente. Humberto é acusado de ter ocultado provas ao remover uma folha do registro de hóspedes do hotel onde os pistoleiros ficaram, na qual Rogério havia colocado seu nome verdadeiro. Atualmente, ele responde somente pelo crime de formação de quadrilha, juntamente com os demais acusados de terem sido os executores. Ele também respondia por favorecimento pessoal, que teve prescrição determinada pela Justiça em 2010.
À Repórter Brasil, o advogado de Norberto, Alaor de Almeida Castro, afirmou que Hugo mente e reclamou que o depoimento que livrou o empresário provisoriamente da prisão, em 2007, só foi disponibilizado pelo MPF às partes do processo “muito recentemente”. No entanto, o procurador Vladimir Aras explicou que os prazos para provas serem juntadas ao processo é de até três dias úteis antes do início do julgamento e que a acusação só fez isso por receio de que a exposição do depoimento de Hugo às demais partes poderia representar um risco à sua vida.
Rassy: "categoria ficou muito marcada" pelo crime
Rosângela: “categoria ficou muito marcada” pelo crime
Sindicatos pedem justiça
Em ato nessa terça-feira (27) em frente ao prédio da Justiça Federal de Belo Horizonte, onde o julgamento está acontecendo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT-MG) pediram justiça no caso, que foi a julgamento quase dez anos depois do crime. Rosângela Rassy, presidenta do Sinait, disse que “a nossa categoria ficou muito marcada”. “Os auditores fiscais do trabalho têm essa mancha com a perda dos quatro funcionários do MTE.” Ela espera pela condenação de todos os réus.
Já José Augusto, presidente da AAFIT-MG, reclamou que “o governo nos estruturou muito pouco para combater essa proximidade que há entre alguns setores do campo e o crime organizado”. Ele estima em 600 o número de auditores fiscais do trabalho no Estado e diz que o número deveria ser entre três e quatro vezes maior: “Os fiscais estão se aposentando e a reposição é feita minimamente pelo governo. Isso representa uma diminuição progressiva do número de auditores com o consequente aumento dos acidentes de trabalho e de outras irregularidades que são cometidas”.
Confira na linha do tempo abaixo todos os desdobramentos do caso

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