A escalada das denúncias do caso do metrô paulista fez com que parte da imprensa timidamente mude de postura. Estranhamente emudecida desde 2008, quando notícias vindas da França davam conta de pagamento de propina pela Alstom a políticos do governo estadual, Folha de São Paulo (FSP) e até o Jornal Nacional (JN) começam a tratar do esquema Siemens.
Em um rocambolesco editorial publicado em 3/8, a Folha diz que é necessário ter uma “dupla cautela” na apuração do caso. Conforme o texto há indícios de formação de cartel, mas nada indicaria ainda a participação de políticos tucanos. O editorial faz uma ressalva, quando diz que a declaração do ex-secretário de transportes de Covas, seria “consternadora” (Cláudio Frederico disse que nunca houve “uma licitação de fato competitiva no setor”).
Chega a ser engraçado o tom que o editorial se vale. Apesar da louvável retomada do tema às páginas da Folha, é visível como o jornal adota uma linha moderada, nunca vista nos escândalos do partido rival – o PT.
Os exemplos que usei dão conta disso: a “dupla cautela” que o jornal prega jamais foi utilizada pela imprensa quando o alvo era seu arqui-rival. Dispararam-se tantas acusações quanto couberam nos grandes veículos de comunicação: manchetes, capas, reportagens, cadernos especiais, articulistas e colunistas contribuíram para um massacre. E com pouquíssimo direito à defesa.
Outro exemplo é a “consternação” causada pelo comentário do ex-secretário. Consternação de quem? Do governo ou da Folha? Quando se lê com calma, há no editorial uma estranha sensação de mal estar. Como se estivessem sendo obrigados a tratar de alguma coisa inconveniente. Algo como falar mal dos amigos.
Isso sem contar na falsa ideia de apontar o dedo à cúpula tucana em São Paulo. Neste ponto, acho que o texto de Luciano Martins Costa, publicado no Observatório da Imprensa e replicado no site do Azenha disse tudo: a Folha está dando a mão para não perder o braço.
Sim, porque após quase 8 anos de um moralismo barato, jogando a corrupção na vala dos “bons e maus”, a grande imprensa está numa sinuca de bico. Passou anos dizendo que os diversos casos de corrupção no governo federal (o mensalão em especial) poderiam estar ligados a uma espécie de falha de cárter político-partidário. Uma espécie de marca de nascença, presente em todos os membros do PT ou da base aliada.
E agora, com o ressurgimento do caso Alstom e com o aparecimento do caso Siemens os veículos da grande imprensa tem de recuar. A Folha já saiu na frente, tentado arranjar uma solução mediada: quer entregar o esquema sem que ele chegue até a cúpula dos governos Covas, Alckmin e Serra.
Alckmin, aliás, já exerce seu privilegiado direito de defesa nos jornais. Além de incitar uma culpabilização do CADE, ao mandar seu Chefe da Casa Civil acusar o Conselho de vazar informações (e desviar o foco), ainda diz que o Estado de São Paulo – caso seja comprovado o cartel – é a vítima da história.
Essa inversão de valores é bizarra. Primeiro porque há fortes indícios de participação do governo. Segundo porque mesmo que não exista a ligação com o Palácio dos Bandeirantes, um esquema de fraude ao maior sistema de transporte público do país que passou desapercebido por 13 anos, só mostra como todas as gestões desde o início do cartel são ineptas, para dizer o mínimo.
Ou seja: ou o governo é responsável por participar no esquema ou por deixarem agir – por ao menos 13 anos – sem que nunca desconfiasse de nada. Seria um governo formado por santos e Pollyannas (aquela personagem do romance de Eleanor H. Porter que tem uma visão “excessivamente otimista” – para tucanar a ingenuidade pueril – sobre a vida).
Sim porque se não houve nenhuma má-fé, ao menos há a total falta de cuidado do governo com um dos bens públicos mais preciosos da capital paulista. Ou seja: se não são culpados por participar, são responsáveis por deixarem roubar.
Mas com todo o respeito e sem apontar o dedo sem provas (que foi muito comum no caso mensalão), confesso que acho muito difícil não haver a participação direta da alta cúpula tucana no esquema. Assim como nos casos de outros partidos e governos, há invariavelmente uma benção governamental, que via de regra se traduz em caixa dois para campanha.
Por isso dá para dizer que por hora a maior vítima do cartel é a inteligência humana. Essa sim foi seriamente afetada pelas declarações prá lá de inconsistentes apresentadas pelo governo do Estado e pela grande imprensa até aqui.
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