segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo



Em 28 de janeiro de 2004 quatro servidores públicos saem para mais um dia de trabalho e não retornam, os três fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, o Tote, 42, João Batista Soares Lage, 50 e Nelson José da Silva, 52 e o motorista Ailton Pereira de Oliveira, 52 foram brutalmente assassinados quando realizavam fiscalizações identificando e resgatando trabalhadores em situação de escravidão no interior de Minas Gerais.
Este episódio ficou conhecido como a “Chacina de Unaí” alguns meses depois foram identificados e denunciados na justiça os mandantes, intermediários e executores, entre os mandantes estavam os irmãos Antério Mânica (prefeito de Unaí de 2005 a 2012 pelo PSDB) e Norberto Mânica, este conhecido como “rei do feijão” por ter uma das maiores monoculturas desse cereal no país.
Estes, assim como os intermediários Francisco Elder Pinheiro, o Chico Pinheiro, José Alberto de Castro e Hugo Pimenta e os executores Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e Willian Gomes de Miranda nunca foram julgados! O Chico Pinheiro morreu sem ser julgado!
Em 2009 por iniciativa do então senador José Nery (PSOL-PA) em memória destes servidores a data em que tombaram no exercício de sua nobre missão foi reconhecida por lei como “Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo” e na semana todos os anos órgãos governamentais e não governamentais realizam atividades de denúncia e alerta sobre essa prática nefasta que ainda perdura em nosso território.
Em 2013 o Sindicato nacional de Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação de Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT-MG) realizam ato público em frente ao Tribunal Regional Federal em Belo Horizonte – MG clamando pelo julgamento da chacina de Unaí, ato que deve ser repetido em todas as capitais.
Esta edição especial do Boletim da Vida do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Carmen Bascaran - CDVDH se irmana a estes atos pelo fim da impunidade no caso desta chacina
Por oportuno, transcrevemos aqui parte da “Nota dos organizadores”, publicada no Atlas Político Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão:
“Apesar de haver forte propaganda governamental propagando o interesse na erradicação do trabalho escravo, e mesmo dos elogios de organismos internacionais às ações do estado brasileiro no combate a esse crime, na prática não há um combate efetivo; há poucos e pontuais avanços na legislação e outras normas na tentativa de coibir a prática, mas concretamente não é algo que as elites dirigentes do nosso país tenham consenso acerca da necessidade dessa erradicação.
O que há de fato como força motriz de todo esse processo de enfrentamento, é uma incansável luta dos peões por sua dignidade. Mesmo fragilizados, por estarem em situação humilhante, constroem suas formas de resistência, a maioria com a mera fuga, mas outros vão além da fuga e procuram apoio para ver seus direitos respeitados, mesmo sem ter noção da força do inimigo que enfrentam.
Em muitas regiões do estado do Maranhão a organização deste embate ainda é incipiente e se resume à luta individual daquele que foge, mas, em outras regiões, como ocorre em Açailândia, há uma articulação maior e há ainda mais mecanismos à disposição na acolhida do trabalhador, mas tudo ainda é muito novo e precário. Pior ainda é que o modelo de desenvolvimento econômico imposto e em expansão na região é predatório e desrespeita os seres que aqui vivem, incluindo aí humanos e não humanos.
Não se pode admitir que dentro do território nacional pessoas sejam tratadas como se fossem mercadorias, descartáveis no nível que nos encontramos no Maranhão, onde há homicídios, vigilância armada, caçada a fujões, reiterados estupros em fazendas, para a garantia do enriquecimento dos criminosos, seja tratado como algo que pode ser tolerado e as autoridades públicas não priorizem a punição dos responsáveis. Este modelo que mantém o sistema escravocrata em fazendas realimenta conflitos étnicos na medida em que desestrutura a forma tradicional de vida dos camponeses.
É preciso que mais pessoas tomem conhecimento do que ocorre nas fazendas no interior do país e o prejuízo que causam ao meio ambiente e à humanidade.
As forças progressistas devem se movimentar no sentido de construir um modelo de contra hegemonia, aliar-se aos peões nessa luta de enfrentamento contra os detentores de poder econômico mantido a partir da exploração de sua força de trabalho.
É urgente que se identifiquem os motivos de as autoridades públicas terem sido até aqui tão condescendentes com a prática, e que aqueles que se beneficiam delas sejam conhecidos e possam cessar com essa atitude. È urgente que haja um rigor na repressão. Estranhamente nas situações em que é flagrada situação de trabalho escravo, os responsáveis sequer são autuados em flagrante (o que não ocorreria em casos de pequenos furtos).
Centenas de eventos já foram realizados no país afora discutindo o problema: foram publicados dois planos nacionais como o objetivo de erradicar o trabalho escravo, mas quase nada mudou em nossa região; não se percebe presença do estado ante ao poder político e econômico daqueles que sustentam essa prática.
É preciso ultrapassar as barreiras de meras intenções políticas de algumas poucas autoridades. Sem a presença do Estado nesta região, e a mudança do atual modelo de desenvolvimento, é certo que caminharemos para a elaboração de muitos outros planos, e medidas que hão de ser instrumento de mais “oba oba” e servirão tão somente para satisfazer as exigências da sociedade civil e dos organismos internacionais, mas nada vai mudar na vida cotidiana dos peões.
Construamos um salto na erradicação desse mal. Precisamos de leis mais rígidas, adequadas à gravidade do problema, e o cumprimento das que estão aí. E essa rigidez pode começar pela aprovação da “PEC do trabalho escravo” que permite confiscar as terras flagradas dos infratores e destiná-las à reforma agrária. Assim, além de fortalecer e ser justo no combate ao trabalho escravo, ainda se dá passos largos na distribuição de renda, pois a terra estaria à disposição para produzir e reproduzir vidas e não mais escravos.
É necessária uma atuação com muito mais estrutura, para investigar, denunciar e garantir medidas urgentes e duras contra os que persistem cometendo esse crime. Um crime contra os direitos humanos não pode ser visto e analisado pelas instituições federais da maneira como vem sendo tratado, suas investigações e atuações são sempre a “quando puder”, tendo no Maranhão inquéritos que arrastam por mais de dez anos quase sem nenhuma diligência cumprida. Não raro quando se vai a um cartório policial ou secretaria judicial se ouve que não há prioridade nesses casos.
Ora, se é certo que a população brasileira, em sua quase totalidade, rejeita o trabalho escravo, e a legislação criminaliza a conduta e define punições, é preciso que a lei seja cumprida. Para isso é necessário que as autoridades públicas conscientes de seu papel institucional não se intimidem frente a qualquer ameaça ou pressão que venha a ocorrer.
Cada autoridade, no âmbito de sua competência sabe o que precisa ser feito de fato para solucionar o problema. O Executivo precisa ser mais operacional no sentido de fazer avançar suas fiscalizações e investigações que garantam provas contundentes, mas também não pode fraquejar na construção de políticas públicas, fazendo que que seus planos ganem efetividade prática. O Judiciário precisa punir e garantir a efetividade da punição, além de ser mais rápido e efetivo na eliminação de entraves judiciais para a aplicação da lei. O poder Legislativo precisa ser rápido na aprovação de leis que possam atingir o problema em sua totalidade, além de ter acesso à sua competência de investigar através de comissões de inquérito.
Você é parte importante neste processo. Mãos à obra.”
São Luís/MA, 21 de janeiro de 2013
Nonnato Masson - Advogado

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