Apresento parte de um artigo de José Neumanne que é jornalista, poeta e escritor publicado no Jornal Estado Estado de São Paulo. Para ler o artigo completo, acesse o link no site do Estadão.
Nesta Pátria da impunidade, madrasta malvada, quem acredita que alguém será punido? Quem já o foi? Os rústicos proprietários dos barcos apinhados de passageiros que naufragam no caudal da Bacia Amazônica ou nos fios de água do Velho Chico? Quem pagou pela plateia queimada no circo de Niterói, a maior tragédia de nossa história? Quem respondeu pelo afundamento do Bateau Mouche na Baía da Guanabara ou pelos prédios que desabam em reformas mal feitas no centro do Rio? Uma Justiça leniente acaba o serviço macabro que começa na cobiça, sua colega em matéria de cegueira crônica.
No meio do caminho entre o fogo dos sinalizadores e a falta de uso do martelo do juiz figura a incapacidade do Estado brasileiro – municípios, Estados e União – de produzir leis adequadas para proteger o cidadão que trabalha, mora ou se diverte e, sobretudo, de fazer com que as existentes, muito numerosas e pouco eficazes, sejam cumpridas. Os decibéis dos equipamentos eletrônicos da balada da Kiss não perturbaram o sono dos fiscais de Santa Maria, cujo gestor municipal fez vista grossa à desobediência das próprias posturas pelo estabelecimento comercial do qual nunca se omitiu de cobrar impostos. Municípios e o Estado do Rio não gastam um centavo do que recebem da União para prevenir enchentes em seu território, mas voltam a prometer a cada verão trágico novas providências, que nunca serão tomadas nem deles cobradas nas eleições.
A presidente Dilma Rousseff foi a Santa Maria e chorou com pena das famílias que o Estado abandona ao desamparo. Assim como o imperador dom Pedro II jurou que venderia o último diamante da Coroa para não deixar um cearense morrer de fome. Fê-lo mais de cem anos antes de os sertanejos continuarem perdendo tudo, até a própria vida, por causa da sede implacável. As imagens das ruínas da obra inacabada da transposição do Rio São Francisco sem que uma gota de água fosse levada à caatinga mais próxima são a denúncia mais deslavada da hipocrisia generalizada de gestores públicos que, desde o Império até hoje, garimpam votos valiosos na miséria que os donos do poder semeiam em suas posses e colhem na máquina pública que, eleitos pelos súditos, passam a pilotar. Os maganões da República mantêm-se no poder enganando os sobreviventes da seca do semiárido, das enxurradas da Serra Fluminense e deste incêndio em pagos gaúchos.
O Estado brasileiro – as elites dirigentes que se apropriam do dinheiro público no poder em municípios, Estados e na União – é cúmplice da cobiça assassina dos empresários sem lei. Só nos resta rezar por suas vítimas e amaldiçoar os algozes da cobiça cega e do Estado surdo. Já que terminarão impunes, que lhes seja reservado o fogo eterno do inferno.
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