quarta-feira, 3 de julho de 2013

Para João Pedro Stedile, tempo da reforma clássica passou

Dirigente defende que luta agora deve ser por território e precisa incluir novas bandeiras como direitos indígenas, desmatamento, trabalho escravo e impactos da mineração
Por Verena Glass

Acostumados a protagonizar as manifestações e dar o tom das reivindicações da rua em protesto nos últimos anos, os movimentos sociais tradicionais, como o sindical, o MST, a UNE e a juventude partidária de esquerda não fizeram nem um nem outro na última onda de mobilizações que varreu o país. A multiplicidade de pautas desta última destoou do formato da costumeira organicidade dos primeiros, que participaram, mas acenderam suas luzes amarelas e vermelhas diante da “intensa luta ideológica” detectada na rua, como avaliou João Pedro Stedile, membro da direção nacional do MST.
João Pedro Stedile, referência do MST. Foto: Verena Glass
João Pedro Stedile, referência do MST. Foto: Verena Glass
A nova configuração do “povo na rua” – e, em especial, a presença de setores conservadores – motivou uma série de assembleias dos movimentos sociais (incluindo reuniões com o ex-presidente Lula) na última semana, que resultou na avaliação de que as reivindicações históricas dos trabalhadores teriam que ser reforçadas. Decidiu-se assim por um dia unitário de mobilização no dia 11 de julho, que pretende, ainda de acordo com Stedile, “recolocar a classe trabalhadora como ator político deste processo” com pautas como 10% do PIB para a educação, melhoria do Sistema Único de Saúde e apoio à vinda dos médicos cubanos ao Brasil, redução da jornada de trabalho para 40 horas, contra a PEC 4330 (que institucionaliza o trabalho terceirizado sem nenhum direito), contra os leilões do petróleo, pela reforma agrária e pelo fim do fator previdenciário.
Bandeiras e alianças
Enquanto segue articulado com os parceiros históricos em âmbito urbano, mantendo inalterado seu apoio tático ao governo federal, no campo o MST parece estar reavaliando bandeiras e alianças. Ao menos é o que transpareceu tanto nas avaliações das “bases” do movimento e de seus aliados rurais, quanto nas da direção (mesmo que em diferentes graus) durante um seminário sobre reforma agrária, promovido pelo MST no último fim de semana.
Para diversos integrantes de organizações ligados à Via Campesina, como a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário, o Movimento dos Pequenos Agricultores, e representantes dos movimentos quilombolas e de pescadores, entre outros, houve uma aliança definitiva do governo federal com a pauta ruralista, o que não deixa alternativa além do enfrentamento direto. Já dirigentes do MST, mais ponderados, sustentam a tese de que o governo ainda está em disputa, sendo preciso encontrar uma forma mais eficaz de fazê-la.
Independente desta ou daquela leitura, porém, segundo Stedile a situação no campo se desenha de acordo com os seguintes fatores: o capital (nacional e internacional) se apropriou da agricultura e dos recursos naturais – incluídos aí os recursos minerais, hídricos, a biodiversidade, etc – e impôs sua matriz produtiva, baseada nos monocultivo de commodities, uso intensivo de venenos e concentração das terras. Concomitantemente, apropriou-se do governo e gerencia suas políticas de acordo com sua pauta.
Por outro lado, a classe trabalhadora foi se ausentando do debate político, avalia Stedile. No campo, o MST se manteve mais forte até 2005, quando organizou a última grande marcha pela reforma agrária à Brasília. “A partir daí, recuou. Mesmo as grandes bandeiras civilizatórias, como a pauta indígena, não mobilizam. Foi uma vergonha termos colocado apenas 400 trabalhadores na marcha pelos direitos indígenas no Mato Grosso do Sul”, afirmou o dirigente do MST, em alusão à mobilização que se seguiu ao assassinato do índio Oziel Terena pela Polícia Federal, no final de maio deste ano.
Seminário sobre questão agrária realizado na semana passada reuniu integrantes de movimentos sociais, acadêmicos e especialistas
Seminário sobre questão agrária realizado na semana passada reuniu integrantes de movimentos sociais, acadêmicos e especialistas
Conjuntura
Para Stedile, os movimentos camponeses precisam reconhecer que o tempo da reforma agrária clássica – a que democratiza a terra através de um acordo entre o campesinato e a burguesia – passou. “Não temos força pra isso, e a burguesia não tem interesse. A reforma agrária popular está sofrendo uma mudança paradigmática”, postula Stedile. A conjuntura mudou, continua, e a disputa pela terra deve se transformar em disputa pelo território, significando terra, biodiversidade, florestas, água, recursos naturais, e pelas concepções produtivas e culturais, principalmente no que tange a qualidade e a saúde dos alimentos.
Nesta nova leitura, explicou Stedile, além de retornar ao trabalho de base nas regiões e aprofundar suas alianças com os movimentos de agricultores tradicionais, o MST terá que se integrar a agendas de segmentos, organizações e lutas já consolidadas, como as do semiárido nordestino, da agroecologia, as ambientais e as indígenas, entre outras.
“Temos que participar das lutas da causa indígena. Temos que fortalecer a Articulação do Semi-Árido (ASA), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a campanha do Desmatamento Zero, as lutas dos atingidos pela mineração, e o combate ao trabalho escravo. Não podemos deixar o Sakamoto sozinho com esta bandeira, enfrentando ameaça de fazendeiros”, comentou Stedile, em menção ao trabalho de Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil.
Por fim, Stedile fez um apelo à academia, outro setor com o qual o movimento quer aprofundar o debate sobre o campo brasileiro: “parem de nos pesquisar. Pesquisem o inimigo, os agrotóxicos, os transgênicos. Precisamos articular novas pesquisas agrárias”.

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