No dia em que o Corinthians anunciou como patrocinadora do seu uniforme a Caixa Econômica Federal (CEF), empresa pública e vinculada ao Ministério da Fazenda, entrei com pedido de acesso à informação para conhecer a íntegra do contrato.

Como futebol mexe com paixões, bem sabemos, vale esclarecer ao leitor antes que comece aquela cantilena de ser algo “contra o Corinthians”, etc, que tenho 46 pedidos de acesso à informação desde a promulgação da lei.

O que mais me chamou a atenção e me traz aqui, é que desses 46 pedidos, oito são para a Caixa Econômica Federal (Confederações e Centro de Excelência). E a constatação a seguir demonstra a imensa contradição que é a negativa dessa informação solicitada, já que os demais contratos de patrocínio da instituição foram liberados. Qual é a razão de vetar o acesso apenas ao contrato de patrocínio do Corinthians?
Arte ESPN
Caixa Econômica Federal é a nova patrocinadora master da camisa do Corinthians
Caixa Econômica Federal é a nova patrocinadora master da camisa do Corinthians
A solicitação, a resposta da Caixa Econômica Federal e o meu recurso estão abaixo. Aguardo a resposta para o recurso. A CEF certamente tem razões e meios legais de negar a solicitação. No entanto, nada pode explicar razoavelmente porque dos oito pedidos, cinco foram respondidos com a liberação dos documentos em respostas padrão, dois informam que não procede a existência do patrocínio (ver abaixo e nota da reportagem) e apenas o do Corinthians foi negado em nome do sigilo.

Espero poder ver, como repórter, mas acima de tudo como cidadão, todos os detalhes. De quem foi a intermediação, quanto foi a porcentagem. Não há pré-julgamento. Apenas a certeza de que devem estar sujeitos ao acesso público.

Que a Presidenta Dilma Roussef esteja atenta ao que está acontecendo na Lei de Acesso à Informação. Apenas o acompanhamento diário do andamento de uma lei fundamental para a República fará com que ela não se torne mais uma lei que não pegou. Sujeita as subjetividades que diferenciam cinco contratos de patrocínio de uma mesma instituição estarem disponíveis com uma mesma resposta padrão, dando conta de seu caráter público e apenas um fechado. Por que cinco estão abertos e um tem acesso negado?

Abaixo, a solicitação para análise do contrato do Corinthians, a resposta e o recurso. Depois a resposta padrão para os demais contratos disponibilizados pela CEF e ainda a nota sobre o contrato que a CEF informou não existir.

Descrição Solicitação: Solicito cópia da íntegra do contrato de publicidade para o uniforme do Sport Club Corinthians.

Data da Abertura: 21/11/2012
Prazo de Atendimento: 12/12/2012
Data da Resposta: 27/11/2012

Prezado Lúcio,
1. O contrato de patrocínio é documento sigiloso que revela a estratégia comercial e negocial tanto da empresa quanto da contratada, por isso, não está disponível para consulta. 1.1 Não obstante, informamos que o patrocínio ao Sport Club Corinthians Paulista foi firmado no valor de R$ 31 milhões com vigência de novembro de 2012 até dezembro de 2013, com preferência para renovação, permitindo que a marca da CAIXA esteja estampada na camisa do clube paulista durante o Mundial de Clubes da Fifa, no Japão, em dezembro, além de outras contrapartidas negociadas.
2. O patrocínio ao Corinthians, o clube cuja marca é a mais valiosa entre os clubes de futebol do Brasil, está alinhado à estratégia de marketing esportivo da empresa, que busca transmitir ao público uma mensagem de dinamismo e agilidade, com potencial de rejuvenescimento da marca, além de incrementar os relacionamentos institucionais e negociais e de gerar novos negócios.
2.1 Segundo a empresa Informídia, especialista em inteligência da informação aplicada à gestão do Marketing Esportivo, a projeção do Corinthians no Campeonato Brasileiro 2012 na mídia foi de R$ 3,5 bilhões e o retorno de exposição da marca do principal patrocinador foi da ordem de R$ 266 milhões.
3. Cabe-nos ressaltar que os patrocínios aos clubes de futebol seguem os trâmites normais dos processos CAIXA, que são regidos pela Lei 8.666/93 e Manual Normativo Interno.
3.1 Na linha de entendimento do Tribunal de Contas da União (Acórdãos TCU 855/1997, 307/2007), o enquadramento da contratação de patrocínio é hipótese de inexigibilidade de licitação, que se impõe nos termos do art. 25 da Lei 8.666/93.
3.1.1 Nesse sentido, a decisão da CAIXA em patrocinar o Sport Club Corinthians é personalíssima, em conformidade com referida Lei, e tomada a partir da expectativa de obtenção de resultados com a iniciativa.
Atenciosamente,
Serviço de Informação ao Cidadão
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


RECURSO: Prezados responsáveis pela resposta (em 27/11/2012) ao meu pedido de informação, com base na Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011:
A resposta que me foi enviada é desprovida de respaldo na Lei de Acesso à Informação. De acordo com a resposta, o acesso aos documentos referentes ao patrocínio envolvendo Caixa Econômica Federal e o Sport Club Corinthians é protegido por sigilo comercial. No entanto, os termos da lei não contemplam tal sigilo comercial.
De acordo com a Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, “informações classificadas como sigilosas” são aquelas consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade nos seguintes itens: à vida, segurança ou saúde da população. Senão, no que se refere à segurança do Estado em relação aos seguintes itens: soberania nacional, relações internacionais, atividades de inteligência.
Portanto, o sigilo comercial não está contemplado na segurança da sociedade nem do Estado.
Não bastasse a clareza da Lei 12.527 sobre as solicitações sujeitas ao sigilo, vale dizer ainda sobre a fraqueza do argumento que realizei sete pedidos de informações junto a esta entidade, relativos aos patrocínios de confederações e projetos e jamais tal cláusula foi citada na resposta. Sendo assim insustentável tal argumentação por parte de uma entidade pública, sujeita ao rigor da Lei 12.527, de Acesso à Informação.
No aguardo de maior transparência por parte da entidade e da correta leitura da Lei 12.527, subscrevo-me,
Lúcio de Castro


Cinco solicitações obtiveram a resposta padrão abaixo, deixando os contratos disponíveis, ao contrário da resposta ao pedido de vista ao de patrocínio do Cortinthians:

"Prezado Lúcio,
1. Informamos que os contratos são públicos e estão disponíveis para consulta, com toda documentação, na Matriz da CAIXA. Endereço: GEPRO - Gerência Nacional de Promoções Cultura e Esportes - SBS quadra 4, lotes 3/4, 19º andar.
2. Colocamo-nos a disposição para maiores esclarecimentos.
Atenciosamente,
Serviço de Informação ao Cidadão
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL


Nota da reportagem:
Os outros dois pedidos são relativos a documentação de um financiamento da CEF ao Guarani Futebol Clube no ano de 1976 (solicitado para a série “Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor” e aos patrocínios de equipe nos tempos da ditadura militar (1964-1985). No livro “A Ditadura Encurralada”, (Élio Gaspari), consta a informação, de que o “comandante de guarnição General Moraes Rego apressou o financiamento da CEF ao Guarani em novembro de 1976.” A informação, de acordo com o livro, consta do “Arquivo Golbery”.

A CEF respondeu que não patrocinou o Guarani tampouco clubes entre 1964 e 1985, período da ditadura militar, contemplado em outro pedido meu. Em recurso, disse que a solicitação não falava em patrocínios e sim em financiamento. A resposta obtida ao recurso foi que a CEF não fornece dados sobre financiamentos. Ainda assim, dos contratos de patrocínio solicitados para exame, somente o do Corinthians teve acesso negado.

Em 18 de novembro de 2011, a presidenta Dilma Roussef sancionou a Lei de Acesso à Informação. Foi um dia histórico, tirando o Brasil de um constrangedor atraso. Somos o 89º país do mundo a ter tal lei e 19º da América Latina. Uma vergonha, mas, ainda assim, corrigida nessa tentativa de reduzir esse vácuo que temos nas questões da transparência e de abertura dos arquivos, única forma de se construir um país com cidadania em plenitude. Naquele dia foi criada também a comissão da verdade.

Ex-presa política, torturada, não conteve sua emoção e afirmou o dia que “ a lei garante o acesso à história do país e reforça o exercício cotidiano da fiscalização do Estado”, lembrando ainda que as duas leis consolidam a democracia no país e o colocam em um patamar superior, em que o Estado passa a ser subordinado aos direitos humanos”. Destacou a “proatividade” que os cidadãos adquirem ao ter mais poder de controle e fiscalização perante o Estado, o que reverterá em benefício para toda a sociedade e no fortalecimento da cidadania.

O que Dilma provavelmente não sabe e talvez não acompanhe muito de perto é que entidades e instituições sujeitas aos questionamentos buscados através das leis de acesso e informação tem tido critérios distintos em suas respostas. A construção de um estado com princípios essencialmente republicanos é um processo longo, bem sabemos, e o aprimoramento passa necessariamente pelo acesso à informação. Sem subterfúgios, dribles ou chicanas.

Ps2- Por falar nisso, clique aqui (e tuitem por favor! Isso aqui ao lado é muito mais importante do que Andrés, CBF, clubes, etc) em: 'Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor'. Chamadas: Argentina, Chile, Uruguai e Brasil    Postado 28/11/12  16 h 49: