sexta-feira, 5 de julho de 2013

O que o privilégio esconde

edimar pereira




Sabe qual é a ligação entre o Renan Calheiros, Henrique Alves, Garibaldi Alves, o Joaquim Barbosa, os médicos do Rio Grande do Norte e o editor das páginas amarelas da Veja?
Não, eles não formam uma quadrilha internacional. Porém, apesar de não se conhecerem (acho eu), eles tem um ponto de ligação. Algo que não diz respeito necessariamente às suas pessoas, mas ao que representam e fazem. Vejam:
  • As manifestações que explodiram pós-violência policial parecem ter deixado as redes sociais de cabeça pra baixo. Todo mundo tem um caso pra relatar de alguém que saiu do armário. Além daqueles que “acordaram” para as lutas sociais, há aos montes, coxinhas, reacionários, golpistas e os homofóbicos dando as caras. O acirramento da disputa de ideias parece estar quebrando todas as máscaras de bom mocismo que vimos diariamente na internet (TV e jornais podem entrar na conta também);
  • Todos os dias, recebemos dezenas de denúncias: mau uso da verba pública, corrupção, ataques pessoais a quem se manifesta contrariamente a alguma ideia e distorções em reportagens são incansavelmente compartilhadas na rede. Algumas queixas que separei hoje: uso de aviões da FAB para fins pessoais, ameaças de médicos potiguares a um publicitário que se opôs aos atos dos médicos e a fabricação pela Veja de um líder que está mais pra cheerleader do que qualquer outra coisa.
  • E estas, como sabemos, são apenas as denúncias do dia. Ontem foram outras. Amanhã, certamente teremos mais.
  • O que tem me deixado chocado é o fato das pessoas não perceberem a raiz comum de tudo isso. Há um constante chororô desconexo, com cada um atirando para um lado.
  • Na verdade, o motivo comum acho que todos sabem, mas não gostam de lembrar. Atos de corrupção, carteiradas corporativas e atos afins tem a mesma raiz: a manutenção dos privilégios. Alguns são lícitos, mas imorais (como o uso de aviões da FAB), outros ilícitos e imorais (corrupção, carteiradas). O que importa é que todos seguem a mesma linha: alguma elite (política, econômica, profissional) se escora em corporativismos e legislações bizarras para manter seus privilégios.
  • “Privilégios”, diga-se, é a maneira suave de expor o que de fato ocorre no Brasil: há uma casta de intocáveis, acima das leis, polícias e (principalmente) do mínimo ético para se viver em sociedade. Nossa concentração de renda deságua nesta concentração de direitos, mandando às favas qualquer mínimo necessário para vida em sociedade.
  • Isso porque, caso não tenha percebido ainda, é ela – a concentração de renda – que torna tudo e todos movidos a base de um corporativismo extremo. Profissionais (da saúde, do meio jurídico ou qualquer outro) que tem alguma relevância social não são punidos (na esfera profissional e pessoal). Políticos legislam em causa própria. Policiais, advogados, juízes e promotores abusam rotineiramente de suas autoridades. Grandes veículos de comunicação distorcem e fabricam verdades a todo o momento, para defender seus interesses, de seus anunciantes e de seus amigos (também partes das elites).
  • E se engana quem acha que esse quadro acontece só em países como o Brasil. Na verdade, nos últimos 40-50 anos esses cenários vem aparecendo com cada vez mais frequência em países desenvolvidos. Muito possivelmente pela “reconcentração” de renda que muitos deles passam, como os EUA e países da Europa ocidental.
  • Acontece que nosso caso é muito mais bizarro, até porque nossa renda é muito mais concentrada. Se nos últimos 20 anos diminuímos sensivelmente a pobreza extrema, seguimos entre os 15 ou 20 países mais desiguais do mundo.
  • E isto é o que se esconde por trás dos privilégios.
  • Ter acesso ao Estado, salário digno, moradia, transporte, escolas com um nível mínimo de qualidade ainda é coisa para poucos por aqui.
  • E nesse quadro, quem tem acesso a qualquer um desses itens se apodera de tudo, especialmente para manter seus privilégios. Cria regras para ter mais direitos que os outros, acha que está acima do bem e do mal, justifica seus atos ilícitos com motivos fúteis, se apropria do Estado. Ou seja: opera dia e noite para manter tudo como está.
  • Por isso, não é difícil perceber que nosso problema é ético. Não no sentido “senso comum” do termo, mas no filosófico. Melhor dizendo, nossa moral coletiva basicamente não existe. Está restrita a alguns momentos da vida, em geral quando estamos apontando o dedo na cara dos outros.
  • Ok. Essa parte todo mundo sabe. O problema é que carregar os problemas do país apenas na falta de uma “ética social” é como achar que um botão fará desaparecer a corrupção.
  • E é por este motivo que é fundamental pressionar todas as elites (políticas, econômicas e profissionais) para que ajam no sentido de democratizar o que hoje são privilégios. Logicamente, quando digo isso não estou achando que todo mundo vai ter um jatinho para cruzar o Brasil. Este tipo de privilégio existe quando os direitos básicos do ser humano são desrespeitados.
  • Mais ainda, é preciso entender que quem está reclamando por um Brasil melhor vai precisar enfrentar o óbvio: o rico brasileiro vai ter que ser menos rico para que o pobre seja menos pobre. Se você acha que o bolsa família é ruim porque “não ensina a pescar”, entenda que para pescar precisamos de peixes. Hoje, todos (ou quase todos) estão nas mãos de quem nem pescar precisa.
Caso tudo isso faça algum sentido, se você segue indignado com a quantidade de absurdos que estamos vendo nos últimos dias, lembre-se de que pode estar fazendo parte disso. Mais ainda, perceba que talvez na verdade, as manifestações estejam mostrando como nosso país é. É possível que você tenha vivido de ponta cabeça até hoje sem saber. Se achar que eu estou errado, visite a periferia mais próxima ou preste atenção no movimento dos políticos conservadores: há uma grande “operação abafa” em andamento. É só ver o que acabaram de fazer com o destino dos royalties do pré-sal no Senado.


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