quarta-feira, 3 de julho de 2013

As exigências vindas das ruas estão mostrando o que é essencial para salvar a economia e a democracia

O aumento da insatisfação pela má qualidade dos serviços públicos essenciais deveria ser vista com naturalidade, mesmo porque é menos um problema de recursos e mais atributo da má gestão do governo. O lamentável é que a “surpresa” produziu nos poderes Executivo e Legislativo uma resposta esquizofrênica hiperativa, com ilusionismos, aprovação apressada e inconsequente de subsídios, de gastos e de promessas de imaginárias receitas futuras, que todos sabem não caberão no PIB.
Provavelmente nunca poderão ser implementados, a não ser à custa da maior destruição fiscal, que levará – ao fim e ao cabo – ou a maior taxa de inflação e maior déficit em conta corrente (enquanto os credores tiverem paciência), ou, o que é pior, a alguma forma de restrição à liberdade individual com a qual já namoram alguns vizinhos latino-americanos.
O movimento das ruas é uma daquelas circunstâncias que levam a refletir sobre a natureza e o futuro da organização social em que vivemos. A história mostra: 1) que a utilização dos “mercados” para organizar a produção é resultado de um mecanismo evolutivo. Não foi inventado por alguém. Foi gerado por uma seleção quase natural entre os muitos sistemas que os homens foram experimentando, desde que saíram da África há 150 mil anos, para combinar relativa eficiência na conquista de sua subsistência material com aumento paulatino da liberdade para viver; 2) que deixado a si mesmo, ele amplia as desigualdades e tende a gerar flutuações cíclicas no nível de emprego; 3) que um Estado forte, constitucionalmente limitado e um poder incumbente escolhido pelo sufrágio universal, são fundamentais para civilizá-lo; e 4) que a crença na moralidade da intermediação financeira, essencial ao desenvolvimento produtivo, leva à submissão deste à primeira e, com tempo suficiente, ao controle do próprio Estado, como vimos em 1929 e 2008, o que exige forte regulação.
O mecanismo de seleção continua a trabalhar na direção de aumentar a liberdade do homem para viver a sua humanidade com a redução do trabalho necessário à sua subsistência material, e dar-lhe segurança através do aperfeiçoamento da organização social, que busca combinar três objetivos não plenamente conciliáveis: maior liberdade individual, maior igualdade de oportunidade e maior eficiência produtiva. É importante lembrar que esses três valores estão implícitos na Constituição de 1988. Ela reforçou as instituições para realizá-los.
A história sugere, também, que o método proposto pelo velho e ingênuo “socialismo fabiano”, de aproximações sucessivas através da dialética interminável entre a “urna” e o “mercado”, é, talvez, o único caminho assintótico para produzi-los. As alternativas propostas de sua substituição voluntarista por cérebros peregrinos lotaram de tragédias o século XX: mataram a liberdade sem aumentar a igualdade, ou melhorar a eficiência produtiva. A lógica é paciente, porque sabe que é inevitável.
A sociedade mundial está inserida numa profunda revolução apoiada em novas tecnologias e no aumento dramático da transmissão e acumulação de informações. Ela vai produzir ainda maior redução do trabalho material e imenso aumento da liberdade individual, no sentido da mesma seleção “quase” natural que nos levou até aqui.
No Brasil, as implicações desse novo passo civilizador precisam ser antecipadas por um dramático aumento da qualidade de nossa educação para elevar o espírito crítico dos eleitores. As exigências das ruas estão mostrando que esse é essencial para salvar a economia e, principalmente, a democracia…
Por Delfim Netto, economista, ex-ministro e ex-deputado  http://www.franciscocastro.com.br/blog/

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