quinta-feira, 18 de abril de 2013

Punição e estrutura social

PARAISÓPOLIS

   in DireitoEstado


O título é uma referência a um livro famoso na criminologia. A obra homônima foi escrita por George Rusche e Otto Kirchheimer no início do século XX. Os autores analisam alguns sistemas judiciais criminais ao longo da história, buscando a inter-relação entre as penas, o estágio de desenvolvimento de certas nações e o recorte de classe implicado. É leitura fundamental para quem quer entender mais sobre o tema.
Mas o triste é saber que e os dois vivessem nos dias de hoje, não teriam muito trabalho em confirmar suas teses. Bastaria passar umas férias por aqui para ver como nosso sistema judicial é injusto. E justamente em um país que se não é rico (per capta), é desigual.
Desigualdade é a medida do subdesenvolvimento, que fique claro. Especialmente quando se fala de violência, ser pobre importa. Mas importa mais ser desigual. Quem diz isso são os médicos e pesquisadores Michael Marmot e Ruth Bell, que em estudo apresentado à Organização Mundial de Saúde em 2009, fizeram a ligação entre mortes violentas e desigualdade social. Tanto quando comparados países subdesenvolvidos e países ricos, sempre a maior letalidade recai sobre os países com maior desigualdade de renda. Existem inúmeros outros estudos sobre o tema. É só procurar.
Mas a desigualdade social também se reflete no encarceramento. Se a concentração de renda estimula a violência, o reflexo pode ser visto nos presídios. Segundo o CNJ, temos a 3ª maior população carcerária do mundo e o censo penitenciário de 1994 apontava que 90% dos presos eram pobres (não achei nada mais recente) e os dados consolidados de 2008 do Infopen indicam que 70% não têm o ensino fundamental completo. Os crimes contra o patrimônio, segundo o Ministério da Justiça, encarceravam 46% dos presos em 2012. Na outra ponta, nem 11% estava preso por homicídio.
É fato que nosso Poder Judiciário é cheio de vícios. Das polícias ao Supremo, nenhum órgão escapa ileso de críticas. Privilégios de classe, corrupção e ineficiência fazem parte do cotidiano da Justiça brasileira.
Antes de entrar no debate sobre a causa comum, é sempre bom lembrar que muito da gritaria das classes médias em torno da diminuição da maioridade penal e da pena de morte, por exemplo, recaem sobre a ideia de injustiça. Como costumo dizer, não posso evitar que um pai ou uma mãe queira se vingar de um crime. A questão é que não podemos transferir ao Estado esta vontade. O Estado não é justiceiro nem vingador. Nosso sistema penal é uma tentativa racional de mediar os desvios humanos. Qualquer ação estatal fora destes termos foge ao propósito de sua existência.
Retomando a tese, não é muito complicado apontar as relações entre a desigualdade social e a questão judicial.
Primeiro porque em um país que está entre as dez maiores economias do mundo e ao mesmo tempo ostenta o 17º pior lugar em desigualdade social (de 136 países analisados sob o indicie GINI – renda familiar), não há judiciário que dê conta.
Segundo porque a concentração de renda se repete em todos os setores do Estado. Inclusive quando falamos de concursos públicos. Alguém imagina como seja a pirâmide social dentro dos quadros de magistrados Brasil? Será que não há uma influência direta entre classe social e aplicação da pena? Será que um juiz que foi menor em situação de risco julgaria um menor infrator da mesma forma que alguém que cresceu nos jardins? Será que o poder econômico não pressiona por si só a atividade judicial?
Este cenário é perfeito para que se perpetue o modelo que vem desde os tempos da escravidão. Mudar a estrutura social é muito mais complexo e dá muito mais trabalho. Até porque, para resolvê-lo, precisamos acabar com vários privilégios.
Inclusive, não apenas os privilégios que nosso judiciário propicia. Uma sociedade desigual cria toda uma ordem desigual. Com uma classe dominante minúscula, o poder – que já é naturalmente concentrado – fica ainda mais. Isso diminui, inclusive, as possibilidades de mudanças.
Funciona mais ou menos assim. Você reclama por viver em um país violento. A violência, como visto, tem relação direta com a desigualdade. Aí, com medo, você pede leis mais duras. As leis mais duras, em um país como o nosso, agravam o quadro da desigualdade (você empregaria um ex-condenado?). Sem chance, o ex-presidiário reincide (70% dos egressos reincidem).
Esta bola de neve, aliada com a corrupção e falta de infra-estrutura (também típicas de países desiguais), só leva à construção de mais presídios e a mais mortes.
O terrível hábito de atacar as consequências e não as causas é que sufoca boa parte das discussões sobre um projeto nacional. Ao invés de falarmos de justiça, poderíamos debater saneamento básico, mídia, tecnologia, indústria ou mercado financeiro.
Este é o tema central a ser debatido. Logicamente, falando sobre judiciário, existem medidas laterais importantes: tráfico de armas, acesso à justiça, execução penal etc. Porém, em todos os pontos de estrangulamento social que vivemos, a causa comum é o abismo social.
A desigualdade é a conta atrasada que teimamos em não pagar. Enquanto nosso país for este antro de exclusão, qualquer política pública será seriamente prejudicada.
No caso do judiciário, tenderemos sempre a criar criminosos excluídos mais violentos enquanto ratificaremos a impunidade aos criminosos ricos. Hoje o Brasil tem 550 mil presos, sendo que nem 11% são homicidas. Em um país mais igual, o número de condenados por sonegação de impostos faria este número engordar um pouco. Só gostaria de ver as marchas pelo aumento de pena aos sonegadores…

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