Por Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor associado à FAAP, consultor econômico e de ensino superior
Escrevo sobre o artigo Receitas de Dividendos, Atipicidades e (Des)capitalização, de dois economistas especializados em finanças públicas, José Roberto Afonso, doutor em Economia pela Unicamp, e Gabriel Leal de Barros, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (disponível em http://bit.ly/13PwrWs). O texto analisa a crescente importância de dividendos de empresas estatais federais, inclusive bancos, no Orçamento da União. E, entre outros aspectos, também examina a composição desses dividendos segundo entes geradores e explica a insólita forma como atendem a conveniências do Tesouro Nacional.
Com 27 páginas, vários gráficos e muitos números, o texto usa jargão típico do tema. De forma menos técnica, abordarei aspectos que me pareceram mais interessantes e que integram o quadro de más práticas que marcam a gestão financeira federal.
Nada contra o Tesouro receber dividendos de estatais, mas percebe-se que ele força a barra para ampliar essas receitas, com danos para as próprias empresas que os geram. E tudo numa escala maior que no passado. Assim, de 2001 a 2005 os dividendos recebidos pela União alcançaram a média de 0,2% do produto interno bruto (PIB) por ano. De 2006 a 2008 passaram a 0,37% e entre 2009 e 2012 subiram mais fortemente, com essa média chegando a 0,63%. No ano passado, foram de 0,6% do PIB. O leitor poderá perguntar: por que se preocupar com essas taxinhas? Isoladas são pequenas, mas se aplicam a um PIB que em 2012 foi de R$ 4.402.537.000.000,00, coisa de trilhões. Assim, o cálculo de 0,6% dele leva ao valor de R$ 26.415.222.000,00, que começa com bilhões e, aproximadamente, equivale ao custo do programa Bolsa-Família, a joia mais brilhante da coroa da nossa presidente candidata a bis. No mesmo ano, metade desse valor veio como antecipação de dividendos, por imposição do acionista controlador, ansioso por receber “o dele” antes do balanço anual.
Acrescente-se que o desempenho financeiro governamental é usual e equivocadamente sintetizado na meta de um superávit primário, uma conta que envolve receitas menos despesas exceto juros da dívida pública. A imprensa diz que esse superávit é a “economia que o governo faz para pagar os juros da sua dívida”, mas não vejo o governo federal economizando qualquer coisa digna do termo. Na sua origem o superávit primário foi construído com aumento de tributos. Assim, quem economiza mesmo é o contribuinte, que tosse para pagá-los. Aliás, os dividendos já significaram cerca de 20% da meta de superávit em 2012 e, nesse caso, quem tossiu o dinheiro foram empresas estatais, induzidas por tapas nas costas por seu acionista controlador.
Quanto a essas empresas, o estudo aponta que em 2002 a Petrobrás e a Eletrobrás responderam por 61% do total de dividendos recebidos pela União. Em 2012 essa participação caiu para apenas 9,3% e o topo da lista ficou com o BNDES, com 46%, seguido pela Caixa Econômica Federal (CEF), com 27%, este último número calculado a partir de dados contidos no mesmo texto. Duas razões explicam essa alteração. A primeira é que as duas primeiras empresas têm acionistas privados, que também receberiam se mais dividendos fossem extraídos delas pelo Tesouro. No BNDES e na CEF, o governo é o único dono. A segunda é que a Petrobrás e a Eletrobrás vêm mostrando queda de lucratividade, inclusive por ações do próprio governo.
O que particularmente chama a atenção é a forma como a dupla BNDES-CEF gera dividendos para o Tesouro, como segue: 1) Recebe empréstimos dele, que não passam pelo Orçamento “examinado” pelo Congresso; 2) para repassar recursos o Tesouro entrega títulos seus remunerados, como outros colocados no mercado; 3) o tomador empresta esses recursos a taxas subsidiadas, mas não transforma os títulos em dinheiro imediatamente, mantendo-os em carteira com outros de que normalmente dispõe, com o que ganha bastante no processo; 4) segue-se, textualmente, que “… quando um banco federal transferiu para o Tesouro parte ou todo o ganho que logrou operando junto ao mesmo Tesouro, na prática se tornou em um mero agente transformador de operações de crédito (…) em receitas de dividendos e superávit primário do mesmo governo”.
E mais: essas operações são chamadas de “capitalização” dos referidos bancos, mas a forte extração de dividendos acaba contribuindo para descapitalizá-los. Quanto a isso, dados apresentados no texto mostram que o chamado Índice de Basileia, que mede o grau de capitalização de instituições financeiras, caiu em 2012 na CEF e no BNDES, enquanto subiu no Bradesco e no Itaú. E só não caiu mais naqueles bancos oficiais porque o governo os “capitalizou”. Não com dinheiro, porque isso implicaria despesa orçamentária e queda do superávit primário, mas com ações de outras estatais. Como resultado, a agência Moody’s de classificação de risco rebaixou a nota de crédito dessas duas instituições no início deste ano.
Há mais coisas no texto que levantam sobrancelhas. A sensação que se tem é de um tudo pode que a presidente Dilma Rousseff diz alocar para o período eleitoral. Mas, já durante todo o mandato à cata de dividendos eleitorais, procura antecipá-los também na forma de resultados financeiros. Estes sob a roupagem ilusória do superávit primário, hoje encurtada. E numa situação paradoxal, em que um governo por convicção estatizante prejudica suas próprias estatais.
Mas há outra eleição. É aquela em que a cidadania econômica vota ampliando ou não os investimentos que levam ao crescimento econômico, e o faz muito guiada pela confiança que tem no governo, em suas instituições e seus gestores. Essa confiança sofre com as práticas apontadas pelo esclarecedor estudo de Afonso e Barros.
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