Uma das piores coisas de só conseguir ver o jornal televisivo tarde da noite é ter só a opinião mais radicalizada da oposição midiática. Extremamente editorializados, os jornais do fim de noite costumam parecer um folhetim de oposição ao governo: altas doses de emoção, sempre muito enfático (para passar o tom da verdade) e em quase todos os casos, descendo paulada no Executivo Federal. E sem direito a defesa.
Das coisas que odeio no jornalismo é o sensacionalismo disfarçado de ciência. Meu ódio a esse tipo de postura é que pra quem vive dentro do senso comum, o sensacionalismo travestido de ciência vira verdade. E nada mais perigoso do que enlatar uma discussão seriíssima em 2 minutos de citações vagas e frases de efeito.
Pois bem. Esta semana, vi a opinião de um deles (que na verdade é a opinião de quem eles representam) sobre a PEC 33. Sendo até irônico, o editorial desqualifica ao máximo o texto da Proposta de Emenda à Constituição nº 33, induzindo inclusive alguma relação entre a PEC e o julgamento do mensalão. Só para lembrar os desavisados, enquanto o julgamento ocorreu em 2012, a PEC é de 2011.
Porém, o tema é sério. Independentemente do tom apocalíptico que tentam vender, a discussão por trás da notícia é um problema não só visto no Brasil. O ativismo judicial é uma questão séria e que merece bem mais do que a opinião de uma emissora que tem mais compromisso consigo mesma do que com o Estado de Direito.
Antes de debater o mérito da PEC, que é sim muito complicado, gostaria só de fazer uma ressalva. O debate que os setores tentam bancar é baseado no fim da separação dos poderes. Nada mais mentiroso. Primeiro porque não há uma fórmula única de manter o Judiciário, o Legislativo e o Executivo com um pleno funcionamento interdependente. O mais curioso é o caso francês. Lá, a independência é tão “séria”, que decisões internas do Executivo só são cassadas por uma corte específica (Conselho de Estado). Eleições municipais, por exemplo, não são assuntos de deliberação do Judiciário. Justamente o país que inventou a tripartição dos poderes, faz uso dela de forma diferente de países como o Brasil e os Estados Unidos.
Tudo isso só para lembrar que tripartição e independência dos poderes são coisas flexíveis. Até porque o Estado é, dentre outras coisas, um conjunto de normas, que podem ser moldadas de inúmeras formas. Ou seja: não há uma única forma de se concebê-lo. Nem ele, nem suas funções.
Pois bem. Isso não significa que eu concorde com o que foi proposto na PEC. Acho inclusive que há uma grande medida de covardia dos que a defendem. Para organizar minhas ideias e poder opinar com calma, vou dividir as propostas e a justificação da PEC (sim, se chama justificação mesmo) em tópicos.
1. Declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do poder público.
Hoje é preciso que 6 dos 11 Ministros do STF votem pela inconstitucionalidade para que ela seja declarada. A proposta quer passar para 9. Sinceramente, não vejo mal algum em discutir isso. Não acho que a maioria simples (6 em 11) seja algo verdadeiro em si. Apesar de em um primeiro momento ser contra, topo a discussão. Penso que este número pode sim ser revisto.
Hoje é preciso que 6 dos 11 Ministros do STF votem pela inconstitucionalidade para que ela seja declarada. A proposta quer passar para 9. Sinceramente, não vejo mal algum em discutir isso. Não acho que a maioria simples (6 em 11) seja algo verdadeiro em si. Apesar de em um primeiro momento ser contra, topo a discussão. Penso que este número pode sim ser revisto.
2. Votação da Súmula Vinculante no Congresso.
A proposta prevê que o Congresso, em sessão conjunta, vote em até 90 dias (do recebimento) a Súmula Vinculante. Acho complicado. Apesar de prever que o descumprimento do prazo implicar na aprovação tácita, não é da alçada do Congresso tratar de Súmulas. Isso não significa que não ache necessário um debate sobre o poder do STF em criar uma sistematização de precedentes.
A proposta prevê que o Congresso, em sessão conjunta, vote em até 90 dias (do recebimento) a Súmula Vinculante. Acho complicado. Apesar de prever que o descumprimento do prazo implicar na aprovação tácita, não é da alçada do Congresso tratar de Súmulas. Isso não significa que não ache necessário um debate sobre o poder do STF em criar uma sistematização de precedentes.
3. Decisões do STF sobre inconstitucionalidade de emendas à Constituição precisarem ser aprovadas pelo Congresso.
Bizarro. Não concordo e acho um retrocesso. Ainda mais porque a proposta prevê que caso o Congresso vote contra a decisão, deverá haver referendo popular para decidir. Primeiro: é inviável. Segundo: democracia não é democratismo. O limite da consulta popular é o “jogar pra galera”. E é isso que me parece.
Bizarro. Não concordo e acho um retrocesso. Ainda mais porque a proposta prevê que caso o Congresso vote contra a decisão, deverá haver referendo popular para decidir. Primeiro: é inviável. Segundo: democracia não é democratismo. O limite da consulta popular é o “jogar pra galera”. E é isso que me parece.
4. Justificação. Basicamente, a exposição de motivos da PEC gira em torno do excesso de ações que o Judiciário tem tomado, interferindo nas prerrogativas do Legislativo. Sobre isso:
4.1. É fato que o STF se tornou um órgão politizado. A Suprema Corte de qualquer país é um tribunal político e o motivo é simples: ele interpreta a Constituição. Interpretar é escolher versões e quem escolhe versões, opta politicamente por algo. O problema é que o STF virou sujeito político-eleitoral e alguns Ministros atuam na “ponta” da política, sendo proto-candidatos a cargos eletivos, o que é algo muito complicado. Os membros de tribunais superiores hoje são chamados a discutir temas que não têm ligação com seu trabalho. Mas isso não é tudo.
4.2. O problema sério por trás desses Ministros popstars é o que se chama no Direito de ativismo judicial (o Poder Judiciário atuando como Poder Legislativo e Executivo). É muito comum hoje o Judiciário conceder liminares absurdas, praticamente “incumpríveis” ao Executivo. Conheço um caso que um Juiz obrigou o governo de São Paulo a mandar UM PACIENTE para a Alemanha, fazer um tratamento experimental caríssimo. Passagem, hospedagem e tratamento pagos pelo governo sem nenhuma garantia de que ele seria salvo. Ainda, existem muitos casos onde o STF reinterpreta leis, dando sentido diverso do original.
4.3. Porém, precisamos entender o que nos levou a esta situação: a mídia como partido de oposição é uma delas. É a imprensa que dá visibilidade – pelos interesses que representa – aos membros do judiciário. Porém, não é este o ponto que quero tratar aqui. Uma das principais razões pelo surgimento do ativismo judicial é um processo “dialético” meio complexo, onde o Judiciário quer fazer política e o Legislativo quer se omitir em debater as grandes questões de nossa sociedade. Este caldo leva a políticos (ou entidades civis, por exemplo) a procurarem o Judiciário para resolverem os problemas que o Legislativo não resolve. O Judiciário, ao invés de determinar que o Legislativo se manifeste, decide sozinho, virando uma espécie de legislador subterrâneo. Suas decisões viram leis obscuras, sem debate social algum.
4.3. Esse círculo vicioso paralisa a política nacional. Nosso Congresso hoje se move basicamente discutindo emendas parlamentares. As grandes reformas legislativas não são feitas, e quando são, em geral são mal feitas. É só ver o que se tornou a discussão em torno do novo Código Penal.
4.1. É fato que o STF se tornou um órgão politizado. A Suprema Corte de qualquer país é um tribunal político e o motivo é simples: ele interpreta a Constituição. Interpretar é escolher versões e quem escolhe versões, opta politicamente por algo. O problema é que o STF virou sujeito político-eleitoral e alguns Ministros atuam na “ponta” da política, sendo proto-candidatos a cargos eletivos, o que é algo muito complicado. Os membros de tribunais superiores hoje são chamados a discutir temas que não têm ligação com seu trabalho. Mas isso não é tudo.
4.2. O problema sério por trás desses Ministros popstars é o que se chama no Direito de ativismo judicial (o Poder Judiciário atuando como Poder Legislativo e Executivo). É muito comum hoje o Judiciário conceder liminares absurdas, praticamente “incumpríveis” ao Executivo. Conheço um caso que um Juiz obrigou o governo de São Paulo a mandar UM PACIENTE para a Alemanha, fazer um tratamento experimental caríssimo. Passagem, hospedagem e tratamento pagos pelo governo sem nenhuma garantia de que ele seria salvo. Ainda, existem muitos casos onde o STF reinterpreta leis, dando sentido diverso do original.
4.3. Porém, precisamos entender o que nos levou a esta situação: a mídia como partido de oposição é uma delas. É a imprensa que dá visibilidade – pelos interesses que representa – aos membros do judiciário. Porém, não é este o ponto que quero tratar aqui. Uma das principais razões pelo surgimento do ativismo judicial é um processo “dialético” meio complexo, onde o Judiciário quer fazer política e o Legislativo quer se omitir em debater as grandes questões de nossa sociedade. Este caldo leva a políticos (ou entidades civis, por exemplo) a procurarem o Judiciário para resolverem os problemas que o Legislativo não resolve. O Judiciário, ao invés de determinar que o Legislativo se manifeste, decide sozinho, virando uma espécie de legislador subterrâneo. Suas decisões viram leis obscuras, sem debate social algum.
4.3. Esse círculo vicioso paralisa a política nacional. Nosso Congresso hoje se move basicamente discutindo emendas parlamentares. As grandes reformas legislativas não são feitas, e quando são, em geral são mal feitas. É só ver o que se tornou a discussão em torno do novo Código Penal.
Por isso, aprovar uma Emenda dessas à nossa tão remendada Constituição é tapar o sol com a peneira. Não resolve e não ajuda em nada. Debater ativismo judicial pressupõe discutir formas de interromper este círculo vicioso que se tornou a aplicação de políticas públicas. Vivemos sob a ditadura da indústria das liminares.
A questão é que esta PEC parece começar a discussão pelo fim. Ao invés de repensarmos os motivos que levaram nosso Legislativo à paralisia, tenta-se inibir o ativismo do Judiciário sem buscar as causas reais que provocaram esta situação.
Dentre as ações anteriores, sugiro que o Congresso comece pela reforma do sistema de financiamento de campanha. Para termos um Legislativo que queira discutir a grande política, precisamos de grandes políticos. Em um modelo onde empresas privadas injetam dinheiro em candidatos para depois cobrar a conta, é bem compreensível que os eleitos não queiram ou não tenham condições de fazer a boa política. Assim, seria bom que nossos políticos cuidassem primeiro da parte que lhes cabe de seus latifúndios. Depois disso ficaria bem mais fácil apontar o dedo nas intromissões judiciais. Simples assim.
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