Por Thomaz Wood Jr.
Criatividade é um termo da moda. Migrou do mundo das artes, seu tradicional reduto, para o universo corporativo. Sabidinhos inventaram as indústrias criativas, as classes criativas e até a economia criativa. Governos pelo mundo, acima e abaixo do Equador, gostaram e gastaram. Antigamente, o termo usado era indústria cultural, cunhado pelos sabichões de Frankfurt, nos anos 1940. Não era boa coisa, não.
Adorno e Horkheimer consideravam a cultura popular uma fábrica para produção de bens padronizados, destinados a gerar prazeres fáceis e domesticar as massas. Pode-se imaginar o que pensariam sobre as mais salientes indústrias criativas dos nossos tempos, organizadas em torno da moda, da propaganda e dos videogames.
O fato é que a criatividade vem ganhando palco, plateia e subvenções federais. E conquistou também a atenção do mundo corporativo. Afinal, ela está no centro dos processos de concepção de inovações, é capaz de parir novos produtos, originar novos negócios e gerar vultosos lucros para as empresas.
Estudiosos do tema associam a criatividade ao estado de “fluxo”, uma condição de total imersão na atividade criativa, caracterizada por uma postura de entrega, pela automotivação e por um estado de perda da autoconsciência. Neurocientistas têm realizado investigações com instrumentistas de jazz e de outras formas musicais nas quais a improvisação é dominante. Segundo as pesquisas, durante períodos de improvisação criativa, há mudanças significativas na atividade cerebral. Em certas condições, ações espontâneas ocorrem sem a interferência de atividades de supervisão e controle. No cérebro, como nas empresas, a criatividade não parece conviver bem com capatazes.
Os estudos indicam ser a criatividade uma condição mental específica, na qual a atividade cerebral se reconfigura. Tal condição permite à experiência interior e subjetiva do artista dar origem ao estado de fluxo, que por sua vez produz uma atividade ou um resultado criativo, algo novo, verdadeiro, único.
Teresa Amabile, professora da Harvard Business School, investiga há décadas temas como criatividade individual, produtividade e inovação. Seus estudos focam as características dos profissionais talentosos e as condições ambientais necessárias para a criatividade se desenvolver. Organizações com estruturas hierarquizadas, culturas organizacionais coercitivas, chefes centralizadores e ambientes nos quais os profissionais lutam entre si minam o trabalho criativo. Até aqui, nenhuma novidade! A dificuldade é entender por que tantas empresas insistem em extrair criatividade e inovações de funcionários sufocados por modelos organizacionais rígidos e por chefes obcecados pelo controle.
Curiosamente, mesmo companhias que supostamente vivem da criatividade a tratam aos socos e pontapés. Uma pesquisa realizada por Alexandre Romeiro, da FGV-Eaesp, orientado por este escriba, revelou a dura realidade dos trabalhadores criativos. O autor entrevistou profissionais de agências de publicidade, um caso exemplar de criatividade a serviço das forças do mercado. As declarações colhidas ajudam a explicar o jogo de pressões que impele a criatividade e, paradoxalmente, a restringe.
Romeiro aprofundou a trilha de pesquisa aberta por Amabile, observando três fatores condicionantes da criatividade: a natureza coletiva do trabalho, a pressão do tempo e a tensão entre a inovação e a aceitação. O trabalho coletivo geralmente estimula a interação criativa. No entanto, quando há competição excessiva entre pares e grandes egos entram em conflito, então a criatividade sofre. A pressão do tempo, um recurso sempre escasso, estabelece desafios e impele o trabalho criativo. Contudo, o desafio perene de fazer mais com menos, as múltiplas tarefas simultâneas e o permanente estado de caos das empresas aumentam a transpiração e limitam a imaginação. A criatividade viceja quando há espaço para o autor experimentar e trilhar novos caminhos e inovar, produzir algo inédito. Entretanto, esbarra frequentemente no conservadorismo, na inapetência para o novo, em chefes conservadores e em clientes temerosos de ferir os padrões e contrariar os bons costumes.
Nas agências de propaganda, provavelmente em outros setores também, a criatividade vive na corda bamba. Romeiro constatou a precarização da experiência criativa, pela organização (ou falta de organização) do trabalho. Os vilões são a competição predatória entre profissionais e entre equipes, o peso da burocracia, a má gestão do tempo e a ação destemperada de capatazes. Ser criativo, mesmo em uma época que supostamente celebra a inovação, continua a ser uma atividade incerta, arriscada e frequentemente frustrante.
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