Os programas da bolsa-família, luz para todos e de apoio à agricultura familiar, entre outros, não exigiram modificações prévias na legislação eleitoral ou partidária. O mesmo se diga do “minha casa, minha vida” e de todos os demais implantados nos últimos dez anos. O substancial aumento do salário mínimo também ocorreu à distância das regras de formação de partidos e das cláusulas do código eleitoral. Não são estes os obstáculos reais à melhoria nos serviços públicos.
Tal como se propala mundo a fora, o mal estar de grandes segmentos da sociedade decorre da convicção de que as autoridades contratadas, via eleições, para administrar os recursos das comunidades, não estão oferecendo serviços à altura do acordado. Pior, estariam se apropriando ilegalmente de parte desses recursos públicos. Daí a suposição de que exista um conjunto de normas partidárias e eleitorais capaz de propiciar uma limpeza em regra nos costumes. Embora tal conjunto, se acaso existisse, não garanta tipo ou qualidade das políticas públicas que venham a instituir, alguns imaginam que pelo menos os recursos públicos não seriam mal administrados ou seqüestrados de forma pecaminosa.
Não conheço e sou cético quanto à existência de tão eficientes regras partidárias e eleitorais. Em todo caso, elas não se aplicariam ao outro lado das transações espúrias, isto é, aos corruptores. Talvez no futuro, mas não agora, as sociedades disponham de filtros aptos a só deixarem vir ao mundo cidadãos virtuosos. Nesse quesito, e por enquanto, é forçoso reconhecer que o Brasil hospeda sensacional taxa de corruptores, alguns operando por meios persuasivos, outros por assédios agressivos. Do jovem motoqueiro insinuando uma gorjeta ao policial que o multa por excesso de velocidade ao indignado cidadão que esbraveja contra as instituições políticas, mas, enquanto feliz proprietário de um estabelecimento comercial, oferece modesta propina para que o fiscal ignore as insatisfatórias condições de segurança de incêndio de seu negócio – são raríssimas as exceções à cultura prevalecente no Brasil, segundo a qual é quase sempre possível esconder uma ilegalidade promovendo outra. E não há talvez brasileiro que nunca tenha sido objeto de ameaçadora pressão corruptora por parte dos profissionais liberais – médicos, advogados, dentistas, analistas, etc. – a cujos serviços recorre com freqüência, deixando de cobrar-lhes recibos e tornando-se cúmplice de crimes fiscais. Pois, neste caso, são os corruptores e corruptos que se consideram iguais na demanda por ética na política, e até justificam a violência niilista de alguns grupos em passeatas intimidantes pelas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades.
Se o conteúdo material das políticas de governo praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa de corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de corruptores privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que se encontra a vida social e política do país, no momento, venha a resultar em ganhos civilizatórios universalmente aceitos. Enquanto isso, o mundo da matéria, da economia e da sobrevivência marcha inexoravelmente, ainda quando as bússolas dos passageiros se encontrem em adiantado estado de desorientação. O cotidiano nacional se alimenta de opiniões volúveis e de ideologias desesperançadas. Mas em breve se há de fazer um levantamento de estoque e o registro dos restos a pagar.
Por Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político.
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