A morte de Thatcher me deixou surpreso. Pensava que o povo inglês a tivesse mais em conta. Vi uma foto onde umas poucas flores e algumas imagens lembravam a ex-primeira-dama. E só. Nos jornais ingleses, li mais críticas do que imaginava. Inclusive, achei que a petição pela privatização do seu funeral fosse uma espécie de protesto-piada. Não era. No Guardian, um colunista defendia avidamente a petição. Em outra matéria, diziam quem ela não vai deixar saudades.
Também acho que não. Mas infelizmente, concordo com a chamada do Valor Econômico: o legado de Thatcher não vai com ela. Pelo contrário.
Apesar de não ter inventado o neoliberalismo, ninguém foi tão bom nisso quanto Thatcher. Ela foi uma espécie de Pelé: não inventou o jogo, mas possivelmente foi a melhor de todos os tempos. Em nome da eficiência do Estado, retirou direitos, atacou sindicatos, foi contra o feminismo, apoiou ditadores (diretamente, Pinochet; indiretamente, Pol Pot), fez a guerra e privatizou tudo o que pode.
Mas seu maior feito foi sem dúvida a dobradinha com Reagan. Como uma espécie de mestre-sala e porta-bandeira do neoliberalismo, a dupla foi fundamental para que quase todos os países do mundo entrassem de cabeça no maravilhoso mundo das finanças desreguladas. Serviram como ninguém aos propósitos do capital especulativo. Não que não seja praxe governos apoiarem suas indústrias. Pelo contrário: o Estado liberal capitalista tem entre suas funções primordiais a promoção do capital nacional. A questão é que nunca um modelo econômico promoveu resultados tão nefastos em tão larga escala.
Acho que por isso, este é o obituário de Thatcher. Seu maior feito foi, sem dúvida, ter servido como ponta de lança da política econômica que mais criou bilionários no mundo, ao mesmo tempo em que mais concentrou renda na história.
No Brasil, os frutos do idealismo de Thatcher estão aí até hoje. E não apenas na forma de gestão do Estado. Seu modelo se tornou a linguagem padrão da lógica empresarial às faculdades de Economia, se ramificando inclusive para outras áreas do conhecimento humano como o Direito.
No caso brasileiro, talvez o melhor exemplo do legado thatcherista seja aquilo que mais tira o sono de Dilma e Mantega. Melhor não pelo conteúdo, mas pela ironia da História.
O ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman, disse no programa Conta Corrente qual era o motivo da persistência da inflação: a alta contínua dos salários no Brasil. O aumento da massa salarial de forma contínua, aliado a um quadro de pleno emprego tem gerado uma espiral inflacionária difícil de ser contida. Confesso que concordo em parte com ele. Certamente temos outros fatores, mas este é um importante. O ganho ininterrupto da massa salarial acima da inflação pressiona os preços de quase tudo.
Perguntado sobre qual seria a solução, Schwartsman não titubeia: só o desemprego pode ajudar a amainar a inflação. Acho até que ele foi corajoso: muitos economistas ortodoxos (=neoliberais) tem vergonha de dizer isso. Afirmar que a manutenção da situação de pleno emprego está causando o aumento constante da inflação é ato de coragem depois do apocalipse empregatício que vivemos entre 1994 até 2002.
O que o economista não diz é a origem desta defasagem salarial. É verdade que o salário médio do brasileiro sempre foi apertado. Agora, o que é sempre bom lembrar é a taxa de reajuste durante a era de ouro do neoliberalismo no país. Como diria Mino Carta, é de conhecimento do reino mineral que durante o governo FHC tudo que não havia era reajuste salarial. É só comparar os ganhos reais de salários na era FHC e na Lula.
Poderia me lembrar da privatização da Vale do Rio Doce. Poderia me lembrar do desmantelamento das funções do Estado, da desregulamentação do mercado financeiro, do PROER, dos empréstimos junto ao FMI, da taxa SELIC em 45% ao ano. Do desemprego, das privatizações do setor elétrico, do caso SIVAM. Preferi pegar como exemplo a inflação.
O motivo é simples: a luta contra a inflação foi a principal propaganda de todos os cavaleiros do neoliberalismo. Na Europa, nos países latino-americanos, na Ásia… Todos se valeram do discurso anti-inflação como o centro do debate da economia. Combater a inflação era o único meio de salvar o planeta das mazelas do Estado de bem-estar. Nunca cumpriram a promessa de extinguir a inflação e onde a diminuíram, como no nosso caso, o preço pago foi alto demais.
Como já disse em outro post, o problema é que a receita que eles vendem depende basicamente uma taxa de juros estratosférica junto com a privatização em massa do Estado. O duro é que com as taxas de juros nas alturas, não se cria emprego. Não criando empregos, os salários ficam defasados. E aí, quando você volta a crescer, advinha o que acontece??? Todo mundo quer ganhar mais.
Por isso, o Valor está certo: o legado de Thatcher está vivíssimo. Primeiro porque as lendas de um modelo que valorize a “liberdade”, “eficiência” e “racionalidade” continuam sendo as pedras fundamentais de boa parcela das faculdades de economia e dos analistas de noticiários. Segundo, porque as ações tomadas por Thatcher e seus escudeiros repercutem até hoje. Foi o blablabla do mercado financeiro eficiente (vendido por eles) que levou países como EUA a desregulamentar seu mercado de hipotecas, que resultou na crise de 2008. No nosso caso, a inflação de hoje é filha da compressão salarial de ontem.
De verdade, não fiquei feliz com a morte dela. Minha felicidade virá no dia que enterrarmos suas ideias, suas políticas e principalmente, suas consequências.
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