segunda-feira, 1 de abril de 2013

Azenha e a censura de mercado

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oucas coisas irritam mais os saudosistas da ditadura do que lembrá-los que o golpe militar não foi 31 de março e sim 1º de abril. É mais uma daquelas ações típicas de regimes de exceção, que tentam sem sucesso reescrever a história.
Para o outro lado, além de desmoralizante comemorar no dia da mentira é bastante simbólico. Como é praxe nos regimes de exceção, manipular a informação – ou seja, mentir – é ato contínuo. Na economia, no interior do governo, nos esportes, tudo em uma ditadura é baseado na mentira. Até porque, sem ela (a mentira) as justificativas para sua manutenção não se sustentam. É só ver o nosso caso: as balelas da “ameaça comunista” e do “nacionalismo patriótico” esconderam a subserviência do regime aos interesses norte-americanos. Assim, nenhuma data é mais apropriada que o 1º de abril para lembrar os mais de 20 anos de mentiras que o país viveu.
Quem diabos prefere viver em um Estado que proíbe a livre-manifestação do pensamento em detrimento da liberdade de expressão? Acho que ninguém. Por isso, posso pular esta parte. Sob nenhum aspecto controlar a imprensa deve ser tolerado. Em nenhum momento.
A questão é que se a democracia liberal de hoje é mais livre que a ditadura de ontem, ela também não é o mundo dos sonhos. Logicamente prefiro viver em um país onde posso me expressar livremente, seja para atacar o governo, seja para defendê-lo. Só não dá para ser inocente. Nosso atual modelo é cheio de problemas e vive sim uma forma de censura.
Dentro das democracias liberais estamos mais presos a outras formas de controle. Basicamente, saímos de uma censura de Estado e caímos em outra. A veiculação de mentiras e distorções se dá não mais pela mão da repressão estatal. No modelo liberal-capitalista muitas vezes é o limite financeiro que barra o acesso à informação. Para os mais desavisados pode parecer exagero. A forma indireta que a censura se apresenta juntamente com o discurso das liberdades individuais são uma ótima receita para iludir uma parcela razoável das pessoas, que creem haver uma verdadeira democracia midiática. É um discurso sedutor, mas mentiroso.
A primeira dificuldade de quem quer se informar dentro do modelo capitalista está na origem. Captar e difundir massivamente os fatos é caro. Em economia, isso é chamado de “barreira à entrada”. Mesmo na lógica do mercado, há a compreensão de que o alto custo de investimento torna proibitivo o surgimento de concorrentes. A solução para isso, largamente utilizada em Direito Econômico é a intervenção do Estado. Não necessariamente direta, mesmo os mais liberais dos advogados de direito concorrencial concordam que sem ações estatais o mercado tende a se concentrar. Em outras palavras, se deixarmos o “mercado” de veiculação de informação livre, só um ou dois terão condição de competir.
O problema é que saber os fatos – que nada mais é do que dar elementos para a formação de juízo de cada um – não é uma “commoditie”. O “mercado” da informação não é o mercado da soja. Aliás, sou daqueles que acha que o acesso à informação não pode ser mediado em um mercado. Por questões éticas – de existência humana – ter acesso livre e correto aos fatos é condição da humanidade, não um privilégio.
Mas infelizmente não é assim que as coisas têm funcionado. Dentro das democracias liberais vinga a ideia de que a produção da informação – mais especificamente da notícia – é um mercado como outro qualquer. A não ser quando o Estado tenta regular sua atividade econômica. Nesses casos, como num passe de mágica, o discurso da liberdade de imprensa aparece para defender o que na verdade é uma liberdade de mercado.
Porém, há mais problemas em nosso modelo de “livre imprensa”. Nas ditaduras, é o Estado o responsável por distorcer e mentir. No livre mercado, onde ter uma estrutura de uma televisão de porte nacional é caríssimo, quais são os interesses que controlam o nós vemos e lemos?
No caso brasileiro dois grandes pilares controlam a produção de informação. O primeiro, dominante nas rádios e televisões locais, são os caudilhos políticos. A maioria das concessões de rádio e uma boa parcela das concessões de TVs regionais estão nas mãos de políticos locais. Acho que esse quadro é autoexplicativo. O segundo pilar é estritamente econômico. Nos grandes meios prevalece a vontade dos anunciantes e grandes grupos de pressão (grandes em grana), como o mercado financeiro e grandes conglomerados. De novo, não precisa ser muito esperto para imaginar onde isso acaba.
Se a mentira é uma forma de censura, o que achar de um quadro onde é impossível – ou ao menos muito difícil – contestar os grupos de interesse que controlam os meios de comunicação? Mesmo sendo diferente, o resultado é muito parecido. O censor deixa de ser um funcionário do Estado e se torna o anunciante, o grupo de interesse ou mesmo o interesse do político que controla a rádio local. Quando a mentira não se manifesta objetivamente, aparece na forma de silêncio.
Com a ascensão da internet, as coisas têm mudado de figura. Há hoje, ainda que incipiente, uma contraposição à veiculação majoritária. Blogs, sites e jornais conseguem hoje passar outra visão dos fatos. A questão é que como no capitalismo o dinheiro é a medida para tudo – inclusive do dano moral – uma sentença condenatória pode inviabilizar um blog, como no caso do Azenha. Uma condenação que não pesaria para um grande grupo (R$ 30 mil) pode arruinar a conta bancária de um jornalista que vive de seu trabalho.
Por tudo isso, apesar de termos deixado a censura de Estado para trás, vivemos um momento onde ela aparece na sua forma um pouco mais sutil. A censura de mercado é uma questão séria a ser enfrentada por nós se quisermos realmente avançar para uma democracia mais consistente.
Enquanto vivermos sob uma lógica mercantil da produção e disseminação da informação, poderemos saber de tudo, menos do que realmente interessa. Toda notícia ou fato que contestar algum grupo ou pessoa que controle os grandes veículos está fadada a morrer antes mesmo de nascer. Mesmo nos casos onde consegue nascer haverá o risco de sufocamento da fonte.
O pior é saber que enquanto esta questão não se tornar efetivamente pública não haverá debate. E para colocar o debate na mesa, as pessoas precisam antes saber que ele existe.
Por isso, independentemente do que você acha de blogs declaradamente anti-hegemônicos, é fundamental saber e transmitir o que vem ocorrendo. Há uma escalada de ações que visam, sob o disfarce da reparação por dano moral, sufocar a contra-informação à mídia corporativa. No Brasil temos o caso do Rodrigo Vianna e mais recentemente de Luiz Carlos Azenha. No mundo, nada é mais emblemático do que o Wikileaks.
Portanto, perca algum tempo do seu dia para se informar sobre o assunto. No dia da mentira, talvez a mais bem contada de todas seja a que temos acesso à verdade. Igualzinho aos tempos da ditadura, que ironicamente começou em um 1º de abril.

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