quarta-feira, 8 de maio de 2013

Economia e Ideologia

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Durante as décadas de 1990 e 2000, discutir Estado e economia era algo especialmente difícil para quem se considerava de esquerda dentro do espectro político. Qualquer defesa ao papel do Estado como regulador da economia, políticas de redistribuição de renda ou limites para a atuação do capital especulativo nos mercados financeiros era dado como “ideológico”, antiquado, ultrapassado e “comunista”.
Até no movimento estudantil – famoso por abrigar disputas à esquerda do espectro político – esse tipo de sentimento reinava. Na minha época, meu grupo político colecionava adjetivos fantásticos. O que mais gostávamos era um pot-pourri de preconceitos e desinformação. Éramos chamados de “bolcheviques-bolorentos-bizantinos”. Tinha até mais coisa, mas a lógica era essa. Éramos, para os defensores do “sucesso” tucano à frente da presidência, o mal de todos os males. Qualquer defesa que fizéssemos era rapidamente desacreditada, por ser “ideológica” ou ultrapassada.
Tentávamos na época devolver que não há ciência humana ou sociai sem ideologia. Se a “força peso” não é de esquerda nem de direita, decidir os rumos da vida em sociedade é necessariamente um ato ideológico. Por isso, Direito, Economia, História e outras áreas do conhecimento humano são – e sempre serão – recortadas por um viés político. Eu sempre costumo brincar que a pauta da “eficiência econômica do Estado” é uma das mais socialistas dos governos de esquerda. A questão não é ser eficiente, e sim ser eficiente pra quem.
Parafraseando o filósofo Serginho Mallandro: a vida é mesmo uma roda gigante. Quando estávamos embaixo, nossos amiguinhos cuspiam lá de cima. Agora, chegou a nossa vez de retribuir as gentilezas.
Esta semana vi na internet que um estudo famoso em macroeconomia foi seriamente desacreditado por economistas desconhecidos. Foi em um trabalho de classe que os novatos – um deles doutorando – acharam erros primários em um estudo de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. Quando questionados sobre os métodos de cálculo, pararam de responder emails. Sim, porque antes, ao que parece a comunicação entre os alunos e os professores ia bem.
O estudo colocado em cheque é peculiarmente importante. Ele é uma das bases teóricas para os crescentes corte de gastos nos países imersos na crise europeia. Basicamente, o texto dizia que o investimento público em países super endividados levaria a uma diminuição do PIB. Por isso, ao invés de gastar mais para ajudar a recuperação da economia (a velha receita de Keynes), o mais correto seria cortar, cortar e cortar.
Apesar de não conhecer o estudo, acho que não precisa ser doutor em economia para notar que essa política parece não estar funcionando muito bem. Em caso de dúvida, sugiro dar uma passada na Praça Syntagma, em Atenas. As medidas restritivas impostas à Grécia pela União Europeia (que foram sustentadas no estudo de Reinhart e Rogoff) surtiram pouco ou nenhum efeito.
Voltando ao estudo, é bom lembrar que seus autores são professores da desconhecida Universidade de Harvard. Rogoff, inclusive, é considerado como sendo um dos economistas mais influentes do mundo. Por isso, chocou bastante o fato deles não se preocuparem em analisar países que apesar de endividados no pós-Segunda Guerra, conseguiram taxas expressivas de crescimento a base de investimento público.
Este caso poderia ser considerado, apesar de importante, isolado. Afinal, picaretagens não têm opção ideológica. Descuidos, erros de conduta e fraudes são coisas que qualquer ser humano pode cometer. Porém, no caso das ciências econômicas, penso que o buraco é mais embaixo.
Isso porque enquanto eu e meus colegas bolorentos ríamos com a falta de noção alheia, o estudo da economia sofria mais do que uns xingamentos caricatos. Hoje, por conta da dominação ideológica – reinante desde a década de 1990 dentro do ensino da Economia – praticamente não há pluralismo teórico. Mesmo após a crise, as maiores faculdades do mundo seguem tendo em seus quadros de professores que na sua maioria estão ali mais para concordar do que para fazer ciência. Discussões sobre economia política são hoje relegadas às ciências sociais. Mesmo teses keynesianas foram sumariamente descartadas. As marxistas então, não são nem levadas em consideração. O pensamento pró-mercado se tornou tão hegemônico que os economistas mainstream consagraram os termos “ortodoxos” e “não-ortodoxos”. Ou seja, quem segue cegamente a cartilha pró-mercado e quem não segue. Ao menos não necessariamente.
Em menos de uma geração os estragos desta dominação ideológica são evidentes. O ambiente universitário, que se move à base de discussão de teses, está seriamente comprometido. A melhor prova disso é a apatia dos economistas diante da crise. Mesmo aqueles que se arrependeram dos excessos neoliberais, têm poucas soluções a oferecer.
Mas isso não é tudo. O pior estrago que a ideologização neoliberal fez foi criar o mito da verdade. Espertamente sob a desculpa de “desideologizar” ciências como a Economia (o Direito também padece deste mal), os neoliberais possivelmente construíram um modelo de pensamento único típico de regimes totalitários. Com a promessa de trazer a verdade científica para os acadêmicos pagãos das ciências sociais, venderam uma forma de produzir conhecimento que serviu mais para justificar sua visão de mundo do que provar algo. Uma espécie de Lombroso revisitado. Um fatalismo cego que só serviu a garantir que quem tem dinheiro siga tendo mais.
Por isso, a contestação do falido estudo de Reinhart e Rogoff é mais do que a descoberta de um embuste. É a prova cabal de que este modelo de pesquisa científica, ao menos para as ciências sociais aplicadas, precisa ser urgentemente revisto. A começar pelas ciências econômicas. E mais: é preciso formar acadêmicos ais dispostos à disputa de ideias. No momento, precisamos de mais enfrentamento teórico, mais pluralidade de pensamento. Algo perto da concepção de democracia de Marilena Chauí: se quer paz, vá para o cemitério. Democracia é briga.

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