quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Brasil como centralizar a corrupção

Canto XXI


Se você entrou em alguma rede social, site de notícias ou folheou alguns dos principais jornais do país nos últimos dias deve ter percebido que há algo de estranho no discurso anticorrupção que impregnou o país desde o advento do mensalão.
Prática conhecida por muitos, a ideia de centralizar a corrupção como o maior mal de todos é antiga. No Brasil, os governos pré-golpe militar de 1964 já sofriam com Carlos Lacerda e seus arroubos anti-comunistas, muitas vezes disfarçados em um grito constante contra a corrupção. A prática, conhecida como udenismo (por conta do partido de Lacerda, a UDN), tende a funcionar muito bem, ainda mais em países com baixo índice de politização de suas classes mais altas, como o Brasil.
O alto nível de aderência deste tipo de discurso se deve basicamente a alguns fatores:
1. O discurso anticorrupção tipicamente udenista leva em conta uma aproximação moralista bastante rasa sobre o problema. Se você é corrupto, é mal. Vai para o inferno. Se você é honesto, é bom. Vai para o céu;
2. Essa linha de raciocínio parte de uma premissa correta. A corrupção é ruim. Na verdade, é um dos piores tipos de crime não-violentos que podemos ter. Ela drena recursos de todos para alguns;
3. Ou seja, a corrupção é indefensável em si. Assim, ao negar um discurso como o que recheou as folhas de Veja et caterva, o udenismo automaticamente o coloca no grupo dos malvados;
4. A desigualdade de renda e o excesso de privilégios da classe política corroboram para isso. É inegável que vários de nossos políticos têm privilégios nababescos e que o fosso entre o rico e o pobre (e a classe média em geral) é absurdo. Hoje, o meio-termo da faixa de renda brasileira ganha algo em torno de R$ 600,00 a R$ 3.700,00 (dependendo de quem classifica – governo, institutos etc). Bem diferente dos R$ 26.000,00 de Senadores e afins. Isso sem contar com a miríade de regalias que vários agentes políticos têm à sua disposição.
Em qualquer situação, a corrupção já é inaceitável. Em um quadro como o nosso, ela se torna ainda pior. Porém, apesar de saber bem que o Brasil seria muito melhor com índices de desvio de dinheiro público mais civilizados, se valer do combate à corrupção como a grande salvação nacional tende a dar em nada.
Não, não estou passando a mão nos corruptos. A ideia aqui é só colocar as coisas na ordem correta. Desviar dinheiro público é o fim de um percurso, não o começo. É sintoma, não doença. Assim, ao invés de só tomar antitérmico para baixar a febre, precisamos entender de onde ela vem. E por favor, deixe de achar que nós não estamos punindo a corrupção. O combate só é muito insuficiente (e ineficiente). Ainda, não ache que algum dia não teremos corrupção. Até porque há estatisticamente uma parcela (pequena) da população que não quer seguir regras, e ponto.
A questão é que corrupção é consequência. Isso não significa que não precisamos melhorar nossos instrumentos de combate. Só significa que também precisamos entender quais são as situações em que a corrupção se prolifera com mais facilidade.
Desta forma, vou tentar fazer uma longa lista para organizar o pensamento de eleitores que devem andar tristes por descobrir que nem o seu querido Covas passaria no teste da incolumidade pública. Separei em dois grandes grupos: as condicionantes e as ações diretas. Vejam:
A. Condicionantes. Aqui, isso significa as características que ajudam a criar o caldo de cultura do desvio de verbas.
a. Formação histórico-cultural do Brasil. Essa é bem batida, mas tem um fundo de verdade. Quem veio pra cá ou veio na pindaíba ou veio para espoliar. Há exceções, mas de fato é o que ocorreu. Só não ache que nós estamos sozinhos nessa. Austrália, Jamaica, EUA, Nova Zelândia, toda a América e África foram colocadas no mesmo barco. Uns melhoraram e outros não. O fato é que desde que Cabral chegou por aqui sofremos com a apropriação do Estado;
b. E isto não é exagero. Na carta de Pero Vaz de Caminha, o autor pede ao Rei que ele use de seu poder e absolva seu genro, condenado pela corte. São outras fortes características brasileiras o clientelismo e apropriação do bem público por alguns setores do Brasil;
c. Esses setores têm nome, endereço e CPF. São os famosos donos do Brasil. Sempre foi assim, aqui e em qualquer lugar do mundo. Por isso, toda vez que você ver um político corrompendo ou sendo corrompido, pense que ou ele faz parte da elite econômica do país ou está a serviço dela. Não interessa se por interesses próprios ou de outros (empresas ou empresários): sempre há quem ganhe fora do governo;
d. Isso se deve à histórica concentração de renda que temos por aqui. Nosso fosso social é até hoje comparado com a Índia, com suas famosas – e até outro dia – intransponíveis castas.
e. Assim, o desvio de dinheiro público costuma seguir a seguinte linha: concentração de renda -> pequena elite que é dona do Estado -> utilização da máquina pública para seus próprios interesses -> corrupção;
f. Some a isso nossa parca experiência política e tenha como outra consequência a falta de noção de coisa pública. Além de não sermos na média um povo politizado, a apropriação do Estado por uma ínfima minoria ajuda naquele sentimento: se é público, não é de ninguém. É o sentimento perfeito para retroalimentar os processos de desvio de verbas.
B. Por isso, para combater este fenômeno, o Estado tem que atuar em ao menos três campos: o combate efetivo, programas de redistribuição de renda e a promoção do desenvolvimento social, deixando de ser só ônus (impostos) para ser bônus (saúde, educação, transporte, previdência, manutenção de direitos sociais etc).
a. Combate efetivo. Aqui temos muito que fazer… Aperfeiçoar os órgãos de controle, cruzar mais informações… Apesar de você não querer acreditar, a Controladoria Geral da União (CGU) é criação do governo Lula. É um ótimo instrumento para encontrar irregularidades e tem desempenhado muito bem seu papel. A questão é que não adianta encontrarmos o desvio de verba se o judiciário não pune. E punir não é fazer show, como no caso do mensalão. Punir é ser equânime nas práticas, agindo contra todos os partidos e políticos que praticam irregularidades. É condenar políticos e empresas, além de resgatar o dinheiro público. Dilma acabou de aprovar uma lei que ajuda a punir empresas que participam de esquemas de desvio. É outro bom instrumento, mas dependemos de um Judiciário mais democrático na hora de investigar casos de corrupção;
b. E para termos um Judiciário mais democrático, precisamos de um país mais democrático. E democracia começa com democratização dos serviços do Estado e da renda. Assim, precisamos de mais ações de distribuição de renda, como uma reforma tributária “pró-povo” e ações diretas do Estado, criando infra-estrutura e serviços públicos mais dignos. A efetividade judicial (a distância entre o início do processo e a eventual responsabilização do réu) depende também de um país mais justo, menos desigual;
c. E desigualdade, uma especialidade brasileira, se combate com mais Estado, não menos. Estado, leia, é transporte público, saúde, educação, acesso à cidade, segurança e tudo mais que seja acessível para quem não tem nada e não para quem tem tudo.
Na medida do possível, retornarei aos pontos deste texto, tentando esmiuçá-los melhor. Porém, lembro que vai ser muito difícil algum governo fazer tudo isso sem gente na rua. Por isso, se você mora na cidade de São Paulo, dê uma passada no Anhangabaú. Hoje, a partir das três da tarde, podemos ajudar a acelerar este processo.
De resto, fica o recado: se quisermos diminuir a corrupção endêmica de nosso país, precisamos ser mais sérios do que somos hoje. Tratar o combate à corrupção como a luta do bem contra o mal só é bom na literatura, como na Divina Comédia de Dante Alighieri. Lá, os corruptos iam para o quinto fosso, ficando submersos em piche fervente.
Mas como eu não quero esperar a morte para resolver o problema, acho que o melhor é agir agora. E agir corretamente. Porque saber cantar o hino brasileiro em jogo oficial não resolve nada. Ser menos hipócrita, certamente ajuda.    http://www.rodrigosalgado.com/levando-a-corrupcao-a-serio/

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