Por Lelei Teixeira, Jornalista
Falar de questão que me diz respeito é desafio necessário. Compartilho aqui um pouco da experiência e da inquietação de pessoas que, como eu, têm uma diferença. Encarar a repercussão dessa diferença no dia a dia não é tarefa fácil. Exige discernimento e cuidado para não cair na vitimização, no paternalismo, no heroísmo, no fetiche, no clichê, no estereótipo. É preciso civilidade, conhecimento, humanidade e sabedoria para tratar de assunto delicado, muitas vezes jogado numa espécie de limbo, onde permanece quase intocável por inúmeras razões.
Historicamente, a sociedade sempre reservou um determinado lugar para aqueles que fogem aos padrões de normalidade sobre os quais o mundo está estruturado. Ninguém se espanta ao ver o negro como porteiro, operário, empregada doméstica, porque é o espaço que lhe foi concedido. Ninguém se admira ao ver o homossexual como costureiro, cabeleireiro, fazendo o gênero pitoresco e irônico. O anão divertindo as pessoas, sendo alvo de chacota, ou como figura mágica, também não causa espanto. Assim como ninguém se espanta com o apagamento da pessoa portadora de alguma outra diferença, seja física ou mental. Ao ignorar ou excluir as diferenças, toma-se o caminho mais fácil e mais curto para a eliminação do caráter criativo e inusitado dos homens, que está no encontro das suas múltiplas possibilidades e capacidades.
Para dar um exemplo claro, trago o universo dos anões, marcados desde a antiguidade pelo estigma de garantir a diversão do outro. Vê-los como bobos da corte, respondendo ao discurso já dado sobre eles, não inquieta ninguém, é perfeitamente natural. É o espaço que lhes é destinado nesse latifúndio da dita normalidade. O espanto surge no momento em que rompem esses espaços. É aí que a diferença grita, assume outras proporções e a sociedade se defronta com o que não sabe lidar. Já não está mais diante do estereótipo e, sim, da pessoa real, de carne e osso, com sentimentos, paixões, contradições e a sua diferença. E é aí que se instaura a desordem num mundo aparentemente normal, desorganizando a frágil ordem da sociedade.
Cabe, portanto, a nós, com a nossa dificuldade, seguir subvertendo essa ordem, extrapolar os espaços e recusar os papéis já dados, como o do bufão, do “coitadinho”, da vítima, do gênio ou do herói. Se para a sociedade é difícil conviver com a diferença, é fundamental fazê-la entender as múltiplas possibilidades que as diferenças trazem, fora dos estigmas e dos discursos instituídos, velhos e redutores. Só assim construiremos relações mais humanas, fundamentais para a eliminação do preconceito. Não somos nem coitados, nem vítimas, nem heróis. Estamos na vida como qualquer pessoa, com a nossa dificuldade. A frase de uma canção de Caetano Veloso pode funcionar como uma bússola nessa jornada: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
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