domingo, 3 de março de 2013

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Não ao preconceito de quaisquer tipos


Por Lelei Teixeira, Jornalista
Não somos nem coitados, nem vítimas, nem heróis. Estamos na vida como qualquer pessoa.
Falar de questão que me diz respeito é desafio necessário. Compartilho aqui um pouco da experiência e da inquietação de pessoas que, como eu, têm uma diferença. Encarar a repercussão dessa diferença no dia a dia não é tarefa fácil. Exige discernimento e cuidado para não cair na vitimização, no paternalismo, no heroísmo, no fetiche, no clichê, no estereótipo. É preciso civilidade, conhecimento, humanidade e sabedoria para tratar de assunto delicado, muitas vezes jogado numa espécie de limbo, onde permanece quase intocável por inúmeras razões.
 Historicamente, a sociedade sempre reservou um determinado lugar para aqueles que fogem aos padrões de normalidade sobre os quais o mundo está estruturado. Ninguém se espanta ao ver o negro como porteiro, operário, empregada doméstica, porque é o espaço que lhe foi concedido. Ninguém se admira ao ver o homossexual como costureiro, cabeleireiro, fazendo o gênero pitoresco e irônico. O anão divertindo as pessoas, sendo alvo de chacota, ou como figura mágica, também não causa espanto. Assim como ninguém se espanta com o apagamento da pessoa portadora de alguma outra diferença, seja física ou mental. Ao ignorar ou excluir as diferenças, toma-se o caminho mais fácil e mais curto para a eliminação do caráter criativo e inusitado dos homens, que está no encontro das suas múltiplas possibilidades e capacidades.
 Para dar um exemplo claro, trago o universo dos anões, marcados desde a antiguidade pelo estigma de garantir a diversão do outro. Vê-los como bobos da corte, respondendo ao discurso já dado sobre eles, não inquieta ninguém, é perfeitamente natural. É o espaço que lhes é destinado nesse latifúndio da dita normalidade. O espanto surge no momento em que rompem esses espaços. É aí que a diferença grita, assume outras proporções e a sociedade se defronta com o que não sabe lidar. Já não está mais diante do estereótipo e, sim, da pessoa real, de carne e osso, com sentimentos, paixões, contradições e a sua diferença. E é aí que se instaura a desordem num mundo aparentemente normal, desorganizando a frágil ordem da sociedade.
 Cabe, portanto, a nós, com a nossa dificuldade, seguir subvertendo essa ordem, extrapolar os espaços e recusar os papéis já dados, como o do bufão, do “coitadinho”, da vítima, do gênio ou do herói. Se para a sociedade é difícil conviver com a diferença, é fundamental fazê-la entender as múltiplas possibilidades que as diferenças trazem, fora dos estigmas e dos discursos instituídos, velhos e redutores. Só assim construiremos relações mais humanas, fundamentais para a eliminação do preconceito. Não somos nem coitados, nem vítimas, nem heróis. Estamos na vida como qualquer pessoa, com a nossa dificuldade. A frase de uma canção de Caetano Veloso pode funcionar como uma bússola nessa jornada: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.

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