Aliciadas no Nordeste e levadas a Uberlândia (MG), vítimas tiveram carteiras de trabalho retidas e sofriam constantes ameaças e agressões dos seus superiores, que portavam armas
Por Stefano Wroblesk
Auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Militar de Minas Gerais (PM) libertaram 21 trabalhadores da obra de construção de uma fábrica da produtora de bebidas Ambev em Uberlândia, município do sudoeste mineiro. A operação aconteceu na madrugada de 18 de outubro. Uma pessoa foi detida.
A fiscalização foi feita no alojamento onde os 21 pedreiros e serventes dormiam. Na mesma casa também estavam alojados dois superiores dos trabalhadores. Um deles chegou a ser preso pela PM por porte ilegal de armas, mas foi liberado depois de pagar fiança. De acordo com as vítimas, o homem detido e outro encarregado da obra os ameaçavam constantemente. O primeiro mantinha um revólver o tempo todo preso à sua cintura e o segundo usava uma faca para assustar os trabalhadores. Eles chegaram a agredir as vítimas com socos.
Os trabalhadores foram aliciados por um funcionário da RRA, empresa terceirizada pela Marco Projetos e Construções, responsável pela obra. Eles vieram do Piauí, de Pernambuco e da Bahia há pouco mais de um mês, mas não tinham recebido nenhum salário. Segundo o procurador do trabalho Paulo Gonçalves Veloso, que acompanhou o resgate, havia restrição à “manifestação de vontade” dos trabalhadores. “Eles ficavam com receio de cobrar salário porque eram agredidos”, disse. Além de não receberem salário, as vítimas tiveram retidas suas carteiras de trabalho pela empresa.
Os auditores fiscais do trabalho que participaram do resgate constataram que o alojamento estava em condições degradantes. Apontaram as péssimas condições de higiene e limpeza e falta de água potável. Além disso, a casa estava superlotada e algumas das vítimas tinham de dormir na cozinha, por falta de espaço.
Excesso de jornadaSegundo Amador Dias da Silva, um dos auditores que fez o resgate, os trabalhadores também alegaram excesso de jornada. Somente um deles tinha comprovante de ponto, que marcava uma jornada de mais de 13 horas diárias, das 7h30 às 21 horas. Diversos outros funcionários reportaram situação semelhante aos auditores, mas a denúncia não pôde ser comprovada porque a ação aconteceu somente no alojamento, que ficava fora da área da obra.
Como a terceirização ocorreu na atividade-fim da construtora e devido às condições degradantes do alojamento, os procuradores do MPT consideraram que a contratação dos trabalhadores pela RRA foi ilícita com base na súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Por isso, o MPT propôs à Marco Projetos e Construções a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), mas a empresa se recusou. A RRA assumiu a responsabilidade pela situação dos trabalhadores, mas pagou as verbas rescisórias de “maneira irregular”, de acordo com o procurador do trabalho.
Em nota, a Ambev declarou que deve acionar judicialmente a Marco “por descumprimento das obrigações assumidas em contrato, especialmente aquelas relativas às condições de trabalho de seus empregados”. Já a construtora afirmou, também em nota, que a empresa ou seus representantes não tiveram qualquer participação no incidente.
Em seu site, a Ambev diz ser a maior indústria de bebidas do mundo. No Brasil, é dona de marcas como Brahma, Antarctica e Skol, entre outras, responsáveis, juntas, por 70% do mercado de cervejas. Quando pronta, a fábrica de Uberlândia será a quarta da empresa em Minas Gerais.
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