sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Fiscalização flagra trabalho escravo em fazenda de irmão da senadora Kátia Abreu

Luiz Alfredo de Feresin Abreu, familiar da parlamentar, é proprietário de área onde foram resgatadas cinco pessoas em condições degradantes no interior do Mato Grosso
Por Guilherme Zocchio


Equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirma ter flagrado trabalho escravo na Fazenda Taiaçu II, um conjunto de três lotes de terra localizado no município de Vila Rica, no nordeste do Mato Grosso, próximo ao Pará. A propriedade pertence, conforme levantamento feito pela Repórter Brasil com base em registros públicos oficiais, ao advogado Luiz Alfredo de Feresin Abreu, que é irmão da presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). Ao todo, cinco pessoas foram encontradas em condições degradantes, submetidas a jornadas exaustivas e em isolamento geográfico segundo a fiscalização. A ação foi realizada entre 19 e 30 de agosto.
Riacho onde os trabalhadores se banhavam (Foto: Divulgação / MTE)
Riacho onde os trabalhadores se banhavam (Fotos: Divulgação / MTE)
A reportagem tentou ouvir Luiz Alfredo de Feresin Abreu sobre o flagrante, mas ele não retornou aos recados deixados na caixa postal de seu celular até a publicação desta matéria. Também procurada, a senadora Kátia Abreu informou, através de sua assessoria de imprensa, que não iria se pronunciar a respeito do caso.
Segundo informações divulgadas pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Mato Grosso (SRTE/MT), divisão do MTE no Estado, os cinco trabalhadores estavam em condições análogas às de escravos, conforme previsto no artigo 149 do código penal. O grupo resgatado, de acordo com a equipe de fiscalização, havia sido contratado para fazer o roçado do pasto dos bois da fazenda e foi encontrado em condições degradantes.
Os trabalhadores cumpriam tempo de serviço de 11 horas diárias, residiam em um alojamento de madeira, sem banheiro disponível, tinham de providenciar os próprios mantimentos e não dispunham de equipamentos de proteção necessários para as atividades executadas. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, tampouco, o empregador lhes forneceu água, para consumir, preparar as refeições ou realizar higiene pessoal. As vítimas se viram obrigadas a utilizar de um riacho local para beber e tomar banho. Ao todo, foram lavrados 19 autos de infração devido aos problemas encontrados.
No interior do alojamento, os trabalhadores improvisavam camas com redes
No interior do alojamento, os trabalhadores improvisavam camas com redes
Rotina e isolamento
Todo dia, os trabalhadores iniciavam a jornada em torno de 3hs da manhã, horário em que, antes do alvorecer, preparavam o café e depois, perto das 5h, saiam do alojamento em direção aos pastos onde faziam o roçado. Após caminhar cerca de hora ou hora e meia, por trajetos de até quatro quilômetros de distância, os trabalhadores começavam as atividades. Por volta das 11h, paravam por 30 minutos para almoço. A comida, preparada ainda no alojamento, traziam em marmitas. Seguiam a trabalhar na sequência, durante o sol do meio dia, até chegar o fim da tarde; nesse período, as temperaturas na região podem ultrapassar 30º C. A remuneração era por produção e, por isso, mesmo com o calor, as pausas eram poucas, conforme relato dos trabalhadores à fiscalização. O pagamento era de R$ 400 por alqueire roçado para cada empregado, e, segundo os depoimentos, por vezes atrasava.
Somente às 15h os resgatados encerravam o serviço, para mais hora ou hora e meia de volta ao alojamento, quando, afinal, às 16h, despenderiam ainda algum tempo recolhendo lenha para o rústico forno que tinham à disposição. O sanitário que havia na residência estava sem água e desativado, e, com frequência, as vítimas, além das marmitas, levavam rolos de papel higiênico para as frentes de trabalho, para realizar as necessidades no meio do mato. Também não havia energia elétrica; muito menos refrigeração para armazenar a comida. Carnes e outros alimentos eram salgados e pendurados. Os trabalhadores viviam isolados geograficamente. A fazenda ficava a 40 km da área urbana de Vila Rica (MT).
Carnes penduradas na parede da cozinha do alojamento
Carnes penduradas na parede da cozinha do alojamento
Todos os cinco resgatados eram maranhenses. Três deles teriam sido aliciados no Maranhão, no município de Brejo (MA), sem a emissão de Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores, conforme determina instrução normativa do MTE. O trio teve de custear as passagens por conta própria. As outras duas vítimas, embora fossem oriundas do Maranhão, já residiam no Mato Grosso. O grupo prestava serviços a Luiz Alfredo de Feresin Abreu desde abril de 2013. Em outras ocasiões, porém, alguns deles já haviam trabalhado com os mesmos serviços, na mesma propriedade.
Pecuarista
De acordo com consulta da Repórter Brasil pelo número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) de Luiz Alfredo de Feresin Abreu no Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (Sintegra), o pecuarista possui, somente no Estado do Mato Grosso, quatro propriedades rurais registradas, entre as quais a fazenda Vila Rica (MT), onde foi encontrado trabalho escravo. Conforme as informações do Sintegra, todas as quatro fazendas — uma em São José do Xingu (MT), outra em São Felix do Araguaia (MT) e mais uma no município de Canabrava do Norte (MT) — são destinadas à criação de gado bovino para corte. A reportagem não conseguiu localizar outras áreas de posse do pecuarista em outros estados do país.
No mapa, região onde está a fazenda de Luiz Alfredo Abreu (Imagem: Reprodução)
No mapa, região onde está a fazenda de Luiz Alfredo Abreu (Imagem: Reprodução)
A área da Fazenda Taiaçu II é de cerca de 1.023 hectares, o equivalente a um bairro de dimensões medianas na cidade de São Paulo (SP), como o Ipiranga, onde habitam algo em torno de 95 mil pessoas. O lote deriva da junção de outras três propriedades na zona rural de Vila Rica (MT), as fazendas Taiaçu, Roma e São Lucas. Segundo informações fornecidas ao governo pelo próprio pecuarista, existem no local cerca de 4 mil cabeças de gado bovino. Na última atualização do cadastro de empregadores flagrados explorando mão de obra escrava, a“lista suja” do trabalho escravo, mantida em conjunto pelo MTE e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a atividade pecuária foi a campeã no número de inserções.
Como advogado, Luiz Alfredo de Feresin Abreu defendeu a Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missu em meio à disputa por terras de latifundiários com os índios Xavante em Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Ele questionou na Justiça o direito dos Xavante às suas terras e, de acordo com denúncia protocolada pelos indígenas em 2011 no Ministério Público Federal de Mato Grosso (clique para ler o documento), ofereceu dinheiro a indígenas de outras regiões para que eles se manifestassem publicamente em favor da proposta de transferência dos índios para o Parque Estadual do Araguaia.
Família Abreu
Conhecida publicamente por atuar em defesa do agronegócio, a família Abreu se destaca por posicionamentos contra a reforma agrária e garantias a povos tradicionais e é uma das principais porta-vozes da bancada ruralista no Congresso Nacional. Pode-se dizer que atualmente é um dos grupos políticos mais fortes do país no tocante às questões rurais, principalmente na porção centro-oeste do Brasil. Na política institucional, além do mandato de senadora pelo Tocantins, com Kátia Abreu (PMDB-TO), os Abreu detêm cargos administrativos e forte influência local.
O filho da senadora, Irajá Abreu (PSD-TO), que é deputado federal pelo Tocantins, tambémocupa o cargo de secretário de Estado da pasta de Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária, órgão do Executivo tocantinense responsável por coordenar questões relacionadas à sustentabilidade, regularização de terras e o assentamento de lotes da reforma agrária. Na época de sua posse, movimentos sociais da região criticaram a indicação.
Com a presença da senadora Kátia Abreu (PMDB/TO) e do ministro do Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas, governador do Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), empossa o deputado Irajá Abreu (PSD/TO) como secretário do Desenvolvimento Agrário e Regularização Fundiária. (Foto: Márcio Vieira/ATN)
Frequentemente, os Abreu também se envolvem em problemas relacionadas ao conceito de trabalho escravo. Por mais de uma vez, a senadora e presidente da CNA Kátia Abreu se pronunciou na tribuna do senado federal, dizendo que tal qual está a definição de escravidão contemporânea no Brasil gera “insegurança jurídica” a produtores rurais. Prevista no artigo 149 do código penal, a caracterização de trabalho análogo ao de escravo no país já foi elogiada como referência por diversos órgãos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas (ONU).
Ainda no ano passado, mais um membro da família Abreu, André Luiz de Castro Abreu, esteve envolvido em outro flagrante de trabalho escravo. Em fiscalização ocorrida no município de Araguatins, no Tocantins, uma empresa de André Luiz Abreu explorava área produtiva de carvão em que um grupo de 56 pessoas foi libertado. À época, ele negou o flagrante e disse que não tinha envolvimento com o caso.
No começo do ano, a senadora Kátia Abreu, liderança ruralista, também ensaiou movimento em que se aproximava do ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, e o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Guedes. A proximidade entre a maior entidade de classe de produtores rurais, CNA, e o Incra preocupou movimentos sociais e entidades defensoras da reforma agrária.

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