Estudo mundial faz elogios à definição de escravidão prevista na lei brasileira e à “lista suja”, e ressalta importância de Congresso Nacional aprovar a PEC do Trabalho Escravo
Por Daniel Santini
O Brasil aparece, ao lado das Filipinas, como um dos países referência em iniciativas inovadoras para combate ao trabalho escravo em todo mundo, conforme o relatório “The Global Slavery Index”, divulgado nesta quinta-feira, dia 17, pela organização não-governamental Walk Free, sediada na Inglaterra. O estudo apresenta elogios à política nacional de combate e também recomendações, incluindo a de que o Congresso Nacional deve priorizar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que prevê a expropriação de propriedades em que for flagrado trabalho escravo e sua destinação para reforma agrária ou uso social, a chamada PEC do Trabalho Escravo. O documento, disponível somente em inglês, é composto por uma versão para impressão em PDF (clique aqui para baixar o estudo na íntegra e aqui para acessar o sumário executivo) e de uma versão digital complementar com mais informações, em que é possível visualizar um mapa com estimativas da incidência de escravidão no planeta.
O Brasil recebeu elogios por ter uma definição de escravidão que engloba diferentes aspectos da exploração de escravos, e não apenas as restrições de deslocamento. O crime está previsto no Artigo 149 do Código Penal. ”A definição legal prevê um ou mais das quatro caracterizações: submeter pessoas a trabalho forçado; submeter trabalhadores a jornadas exaustivas; submeter trabalhadores a condições degradantes; e, restringir, por qualquer maneira, o deslocamento de trabalhadores devido a dívidas”, detalha o estudo da Walk Free. “Enquanto trabalho forçado e restrições de deslocamento são elementos típicos nas definições internacionais, a definição brasileira é importante por reconhecer realisticamente o papel que jornadas exaustivas e condições degradantes, que são uma negação dos patamares mínimos de dignidade, têm em reduzir um individuo psicológica e fisicamente a um ponto em que ele não pode exercer suas liberdades”, diz o documento (leia aqui as referências ao Brasil em inglês).
Mecanismos institucionais para combate também foram referenciados no documento, tais como a criação do cadastro oficial de empregadores flagrados com escravos, a “lista suja” do trabalho escravo, e a formação de equipes de fiscalização multidisciplinares compostas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Federal reunidos no Grupo Especial Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. “As agências de combate são altamente treinadas para serem capazes de distinguir entre condições de escravidão e condições menos severas que são tratadas com outros mecanismos de correção”, diz o texto.
Também foi elogiado o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, e o mapeamento de cadeias produtivas para fortalecer a transparência em diferentes setores e iniciativas de responsabilidades empresarial. Por último, o documento destaca o fato de o país ter ratificado as principais convenções internacionais para combate à escravidão contemporânea – apesar de o texto lembrar que o Brasil ainda não ratificou a Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho, que garante direitos de trabalhadores domésticos.
Apesar de apontar a política brasileira de combate ao trabalho escravo como referência, o relatório também aponta dificuldades para fortalecer o combate à prática, incluindo a pressão de parte dos latifundiários do país e intimidações sofridas por ativistas contra escravidão.
As Filipinas foram elogiadas por iniciativas e programas em 36 países diferentes para assistência a trabalhadores filipinos imigrantes em situação vulnerável (clique aqui para ler mais sobre o país em inglês).
Panorama geralO estudo é o levantamento mais completo já feito sobre trabalho escravo em nível mundial e fornece subsídios importantes para o debate sobre como fortalecer o combate de maneira internacional. Além de análises aprofundadas sobre diferentes países e políticas públicas, o documento apresenta também estimativas da incidência de escravidão em diferentes países. O Brasil, segundo a estimativa da Walk Free, tem entre 200 mil e 220 mil escravos hoje, número que deixa o país na 94ª posição no ranking desenvolvido pela organização.
Cabe a ressalva, no entanto, que a estimativa deve ser usada com cuidado na formulação de políticas públicas ou no desenvolvimento de ações. Ao contrário de outros países, o Brasil possui uma grande quantidade de dados sobre o perfil dos trabalhadores resgatados em situação análoga à de escravidão (quem são, de onde vieram, como vieram, qual o grau de escolaridade, nível de renda, gênero, entre outros) e para que atividades foram explorados. O estudo da Walk Free utiliza modelos estatísticos para estimar o número de escravos em países com menos informação. Portanto, para o desenvolvimento de um índice mais acurado, deve-se usar os dados disponíveis produzidos pelas instituições públicas de combate ao trabalho escravo, como o Ministério do Trabalho e Emprego. O Brasil foi palco do resgate de mais de 45 mil trabalhadores desde 1995.
Além de uma análise sobre as políticas nacionais, o relatório também apresentou sete recomendações para o país fortalecer o combate à prática, incluindo medidas de reinserção e amparo a trabalhadores em situação vulnerável, e a já citada recomendação da aprovação da PEC do Trabalho Escravo. Veja abaixo na íntegra as recomendações do documento.
Recomendações para o Brasil – Global Slavery Index:
Que as principais empresas – particularmente aquelas que lidam com produtos em que já foi constatada a exploração de trabalho escravo no Brasil – assinem o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Dos 26 Estados, somente 13 tem comissões estaduais de combate ao trabalho escravo – conforme recomendado em 2010 pela Relatora Especial da ONU sobre Trabalho Escravo, todos os estados deveriam ter tais programas.
Escravidão deveria ser enquadrada de maneira clara como uma infração Federal, de modo a descartar o risco de retrocesso na última decisão da Suprema Corte (dezembro de 2006) em favor de que tal infração seja considerada de competência da Justiça Federal.
O Senado deve aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 57A/1999, que permitiria a expropriação sem compensações de fazendas em que trabalho escravo for flagrado, e a distribuição de terras para os mais pobres da sociedade, que são os que estão mais vulneráveis à escravidão.
Trabalhadores resgatados da escravidão devem receber suporte e compensação pelos danos materiais e psicológicos que sofreram por meio de programas públicos para facilitar sua inclusão social.
A pena para o crime de explorar trabalho escravo que é de dois a oito anos de prisão deveria aumentar para de quatro a dez anos (Artigo 149 do Código Penal).
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A “lista suja” deve ser fortalecida e incorporada na lei.
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