quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Em Roraima rodovia é bloqueada por Índios contra a PEC 215

Cerca de mil indígenas de diversos povos do Estado ocuparam por aproximadamente 12 horas ininterruptas um trecho da Rodovia BR-174, que liga o Brasil à Venezuela

Por Maurício Hashizume | 

da Terra Indígena São Marcos, Roraima – Como parte da Mobilização Nacional Indígena contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 – que transfere a competência pela demarcação de terras indígenas do Poder Executivo ao Congresso Nacional –, cerca de mil indígenas de diversos povos de Roraima ocuparam, por aproximadamente 12 horas ininterruptas da última quarta-feira (2), um trecho da Rodovia BR-174, que liga o Brasil à Venezuela, entre as comunidades do Sabiá e de Makunaima, na Terra Indígena São Marcos.
Acompanhada pela Repórter Brasil, a manifestação pacífica teve início à 1h da madrugada e se estendeu até por volta das 13h. “Foi a primeira grande manifestação com ampla participação das comunidades e povos indígenas do Estado que fizemos depois do simbólico processo de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol [após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela manutenção das terras contínuas, em março de 2009]”, definiu o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Mário Nicácio, da etnia Wapixana.
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A manifestação teve início por volta da 1h da manhã e terminou às 13hs. Fotos: Maurício Hashizume
Apesar da instalação da comissão especial  para o tratamento da PEC 215 ter sido temporariamente suspensa – conforme anúncio feito pelo próprio presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ainda na terça (1) –, a vigília contra a proposta, segundo Mário, deverá seguir permanentemente. “O recado está sendo dado. Se os ruralistas continuarem insistindo em aprovar essa emenda, certamente haverá reação. O direito à terra é um direito fundamental; e os parlamentares estão querendo passar por cima disso”, emendou. (Confira aqui quais parlamentares já estão indicados para a comissão especial)
Da etnia Taurepang da região do Amajari (Terra Indígena Araçá), Telma Marques, secretária do Movimento das Mulheres Indígenas do CIR, realçou que a PEC 215 viola os direitos dos povos indígenas previstos nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Para ela, a Mobilização Nacional Indígena é uma iniciativa relevante na busca de parcerias na sociedade para denunciar os gravíssimos riscos contidos não apenas na referida emenda, mas em diversas outras propostas de lei – como o Projeto de Lei 227, que visa “regularizar” empreendimentos econômicos de invasores dentro de terras indígenas – que afetam as populações indígenas e contam com o suporte da chamada bancada ruralista.
“Estamos também cobrando a presidente Dilma Rousseff. Não basta apenas se manifestar contra [conforme nota divulgada no Blog do Planalto], mas é preciso também agir publicamente, como nós estamos fazendo”, pontuou Telma. Morador da comunidade Wilemon (Raposa Serra do Sol), o pequeno Samuel André de Souza, de apenas seis anos, recordou a história do seu avô (o ex-coordenador do CIR, Jacir José de Souza, que sofreu ataques cruéis a mando de fazendeiros em sua atuação como líder indígena) para repudiar a PEC 215 e defender um “futuro sem violência”.
Tuxauas
Desde a segunda-feira (30), Arnóbio José de Souza, tuxaua (liderança) Macuxi do Centro Morro – na Comunidade do Mutum, que fica na região das Serras, na fronteira do Brasil com a Guiana, dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol –, marcava presença, assim como vários outros tuxauas de outras regiões, na comunidade do Sabiá à espera da manifestação. “Vim até aqui pois sinto-me no dever de manifestar que somos contra essa PEC 215. Eles estão querendo desmanchar as nossas terras e legitimar a ganância dos invasores. E querem sempre mais”, comentou à Repórter Brasil, citando os problemas associados a projetos de agronegócio, mineração ou usinas hidrelétricas.
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Protesto integrou a Semana de Mobilização Indígena
Também da etnia Macuxi, Pamela Francisca da Silva, estudante de 20 anos da comunidade São Jorge, na região do Surumu, exibia um cartaz exigindo melhorias na área de saúde. “O posto que prometeram instalar na nossa comunidade ficou apenas na promessa.”
Presente na manifestação, o subdefensor público geral do Estado de Roraima, Oleno Matos, disse à reportagem que, segundo convicções pessoais, também é contra a PEC 215, por causa da “possibilidade de abertura de novas formas e cláusulas” que poderiam influir nos processos de demarcação de terras indígenas. Oleno, que também é vice-presidente da Comissão de Acesso à Justiça do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou ainda que a própria OAB está em processo de definição de sua posição acerca dessa questão, mas que dificilmente apoiará a proposta como está formulada na emenda de autoria do ex-deputado federal por Roraima, Almir Sá, em 2000.
Representantes da Diocese de Roraima, do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outros, também manifestaram apoio ao ato protagonizado pelos indígenas Ingaricó, Wai-Wai, Yanomami, Patamona e Sapará, além dos grupos étnicos já citados.
25 anos
O coordenador do CIR, Mário Nicácio, ressaltou que o empenho dos indígenas em sustentar os seus direitos garantidos pela Constituição Federal, que completa 25 anos, contrasta com os mesmos 25 anos da criação do Estado de Roraima. “Na legislação estadual, não há artigos que garantam direitos dos povos indígenas. Portanto, não há o que comemorar em termos do aniversário do Estado. Pois ele foi ‘criado’ como se os índios não existissem”.
Repórter Brasil tentou ouvir alguns dos motoristas e passageiros que ficaram retidos por conta do ato. Muitos circularam tranquilamente entre os manifestantes. Alguns disseram desconhecer completamente a PEC 215 e outros chegaram até a ter algumas discussões ríspidas com alguns indígenas. Mas, em nenhum momento ao longo das 12 horas de duração do bloqueio, houve qualquer incidente entre as partes.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Militar de Roraima chegaram a negociar com as lideranças que promoveram o protesto durante a manhã da quarta-feira (2). Mas a decisão de voltar a permitir a circulação de veículos pela estrada foi tomada pelos próprios organizadores. Um documento com as resoluções da manifestação em Roraima será levado a Brasília (DF), onde outra comissão do mesmo Estado participa das atividades relativas à mesma semana de atividades em defesa dos direitos dos povos indígenas.
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