CPI da Exploração Sexual, na Câmara Municipal, investiga as denúncias; pesquisa revela que esse tipo de crime é cada vez mais comum ao redor da grandes construções
Fielzão, Itaquerão ou simplesmente Arena Corinthians. O nome oficial do novo estádio corintiano ainda não foi escolhido, mas sua inauguração está prevista para dezembro deste ano, seis meses antes de receber a seleção brasileira na abertura da Copa do Mundo de 2014. Mesmo destinado a se tornar um símbolo do futebol de São Paulo, o empreendimento de 180 mil metros quadrados e aproximadamente R$ 1 bilhão não escapou de um problema recorrente em canteiros de grandes obras em todo o Brasil: o entorno do futuro estádio se transformou em ponto de exploração sexual de menores.
As denúncias – muitas anônimas – não param de chegar à CPI da Exploração Sexual Infantil, em atividade na Câmara Municipal desde março deste ano. De acordo com os relatos, aliciadores estão oferecendo os serviços sexuais de garotas com idade entre 11 e 17 anos para os operários da obra.
Os alertas chegam tanto de moradores do entorno da construção, em Itaquera, zona leste, como de entidades, como a Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (Cmesca), que protocolou uma denúncia a esse respeito na quinta-feira da semana passada (05).
"A Comissão recebeu denúncias de cidadãos e ONGs que apontam agentes que vão até o Itaquerão oferecer mulheres para programa, incluindo crianças e adolescentes", afirma o presidente da CPI, Laércio Benko (PHS). “No início, eu acreditava que se tratava de um problema restrito, mas agora percebo que toda grande obra pode ser foco dessa exploração."
A constatação é confirmada por um estudo da Childhood Brasil, uma organização internacional de combate ao abuso sexual de menores. Depois de entrevistar 316 homens que trabalharam em estádios de futebol em São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Rondônia e Santa Catarina, a entidade revelou que 97% deles presenciaram prostituição nos arredores das construções.
A exploração de crianças e adolescentes foi confirmada por 57% dos entrevistados, enquanto 25% deles admitiram ter feito programa uma ou mais vezes com menores de idade. “São trabalhadores jovens, com idade entre 25 e 30 anos e de baixa escolaridade. Eles viajam para longe da família, ficam por um curto período vivendo em uma comunidade sem lazer e sem vínculos, onde acabam fazendo programas com menores de idade”, afirma Itamar Gonçalves, responsável pela pesquisa.
O estudioso explica que o agenciador de menores cria uma relação de dependência com as garotas. “Ele pode abrigar uma adolescente e fazer programas em troca de aluguel. Mas eles superfaturam o espaço, intimidam e dificulta a quitação da dívida.”
Pesquisadora do assunto na Universidade de Brasília (UnB), a professora Maria Lúcia Leal diz que os trabalhadores não são o alvo, mas sim os agenciadores e o poder público. “Não podemos desenvolver uma visão repressiva sobre os trabalhadores, que migram de todos os lugares do País buscando condições de trabalho. Dizer que eles são responsáveis não é correto, sob o risco de criminalizar o trabalhador e a criança.”
Ceagesp e Terminal de Carga
Integrante da CPI, o vereador Álvaro Camilo (PSD) afirma que a exploração sexual infantil na capital paulista também é frequente nos arredores da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp), na zona oeste, e no Terminal de Cargas Fernão Dias, na zona norte. “A dificuldade do flagrante é que os programas não acontecem nas ruas, mas dentro dos caminhões ou em hotéis e pensões. O que nos chega são denúncias.”
O presidente da Comissão diz que a exploração sexual infantil não ocorre apenas na periferia de São Paulo. “Ela acontece em todas as regiões da cidade e atinge as classes A, B, C, D e E.” Dados do Disque Denúncia revelam que, entre 2003 e 2011, 49 mil pessoas informaram a ocorrência de alguma corrupção sexual envolvendo crianças e adolescentes.
Laércio Benko planeja diligências e blitz na região do Itaquerão no final de setembro ou início de outubro, dois meses antes da inauguração do estádio e da conclusão da CPI.
“O que vamos sugerir é que a Prefeitura de São Paulo tome a dianteira. Pessoalmente, acredito que a Secretaria de Direitos Humanos pode cuidar do trabalho, oferecendo assistentes sociais, psicólogos e providenciando blitze permanentes”, diz ele. “Há muitas ONGs querendo ajudar, mas todo mundo sabe que cachorro com dois donos morre de fome.”
Outro lado
Responsável pela obra, a construtora Odebrecht afirmou ao iG "que não foi notificada sobre as denúncias e desconhece qualquer informação sobre as mesmas. A empresa mantém diálogo permanente com a população e jamais houve relatos de que acontecimentos como esses tenham ocorrido. A construtora reitera que não possui alojamentos ou dormitórios no local, que é mantido sob constante vigilância."
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